A ideia da velhice, com aquela imagem gasta de um corpo curvado de bengala, se tornou, hoje, obsoleta. Nos últimos 50 anos, o que chamamos de “envelhecer” foi transformado. O tempo já não é mais medido apenas em décadas. Hoje, fala-se em viver até os 100 anos com naturalidade. A expectativa de vida, que em 1970 mal passava dos 55 anos no Brasil, agora se aproxima dos 77. O que antes parecia exceção virou tendência.
Mais que tempo de vida, estamos falando de uma nova era em que as gerações mais longevas ainda são parte da realidade econômica e social do país. Neste conteúdo especial da Rede 98, você vai ouvir histórias de quem se reinventou para se adaptar aos novos tempos, de profissionais que estudam esta nova realidade e daqueles que se negam a envelhecer esperando a morte chegar.
Saúde: expectativa de vida cresce, mas desigualdade ainda pesa
“A velhice de hoje não é a velhice de antes. A velhice dos meus avós não serve de modelo para minha velhice. Eu estou sujeita a outro mundo” afirma a geriatra e consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Karla Giacomin.
Hoje, o brasileiro vive mais e o desafio contemporâneo não é apenas esticar a vida, mas preenchê-la com propósito, saúde e segurança. Se o envelhecimento era visto como o fim do percurso, agora aparece como reinvenção. Pelo menos, para parte da população. Em um país com desigualdades abissais, Karla evidencia as diferentes realidades.
“A nossa desigualdade é brutal. A chance de um velho pobre demandar cuidados é sete vezes maior que a chance de um velho rico. Quem não tem ensino superior, tem o triplo de chance de precisar de cuidados na velhice. Por isso, para falar de saúde a gente precisa primeiro falar de educação.”
Há caminhos para reduzir os efeitos deste Brasil desigual em uma população que ajudou a preparar a terra, a plantar e que, agora, quer os frutos da empreitada. E a prevenção é o segredo.
Há 50 anos, a medicina da longevidade era reativa, focada em remendar os prejuízos inevitáveis da idade. Hoje, ela é proativa, desenhada para adiar o relógio biológico e preservar a vitalidade. A medicina preventiva, o controle de doenças crônicas antes que se instalem, o avanço em terapias que buscam retardar a degeneração celular – tudo converge para um cenário onde os 70 são os novos 50.
Economia: a onda prateada
A economia global está em rota de colisão com a longevidade. “As pessoas vivem mais e têm mais qualidade de vida. E o trabalho faz parte da vida, inclusive em termos de felicidade,” opina o economista Gustavo Andrade. Há meio século, a pirâmide etária era, de fato, uma pirâmide: muitos jovens na base, poucos idosos no topo. Hoje, ela se assemelha mais a um retângulo, com as faixas etárias mais velhas engordando exponencialmente. Isso tem implicações profundas para sistemas como a previdência social, que foram concebidos em um tempo onde se contribuía por quarenta anos para aproveitar de uma aposentadoria que duraria, em média, dez.
Fontes: 1940, 1950, 1960 e 1970 – Tábuas construídas no âmbito da Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica;
1980 e 1991 – ALBUQUERQUE, Fernando Roberto P. de C. e SENNA, Janaína R. Xavier “Tábuas de Mortalidade por Sexo e Grupos de Idade – Grandes e Unidades da Federação – 1980, 1991 e 2000. Textos para discussão, Diretoria de Pesquisas, IBGE, Rio de Janeiro, 2005.161p. ISSN 1518-675X; n. 20;
2000 em diante – IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2070.
Andrade explica que a “aposentadoria”, como uma divisão entre trabalho e ócio, está em extinção. As reformas previdenciárias são apenas a ponta do iceberg. A realidade é que a maior expectativa de vida exige uma recalibragem completa da relação com o trabalho e o dinheiro. A poupança para a velhice, antes um horizonte distante, tem que ser prioridade desde cedo.
“A gente demorou muito tempo para discutir que precisamos falar sobre dinheiro desde o começo para não culminar nesse processo de dependência muito grande da previdência do Estado lá na frente”.
O mercado de trabalho também vai sentir o impacto, com a necessidade de reter talentos mais velhos e a criação de novas indústrias voltadas para a “economia prateada”. A aposentadoria, para muitos, será mais uma forma de “remodelar” a carreira do que um “parar” definitivo.
Estilo de vida e profissão: a reinvenção e o combate ao etarismo
“Ou você escolhe uma atividade física, ou vão escolher para você na velhice”, defende Gina Lapertosa. Com 63 anos, ela é influenciadora, com mais de 1 milhão de seguidores, e atleta de CrossFit. Para Gina, a longevidade não é uma mera contagem de anos, mas uma oportunidade de reinvenção contínua. A rotina de levantamento de peso e agachamentos representa a revolução silenciosa de uma geração que se recusa a aceitar as limitações impostas pela sociedade.
“A morte tá aí: acontece independente do envelhecimento. Então, no leque de oportunidades que a vida te dá, qual vertente você quer?”
No campo profissional, a história de Wilma Tinoco ecoa essa mesma ideia. Doutora em comunicação, escritora, professora e palestrante, ela se reinventou após os 50. “Os gestores pensam que depois dos 40 você não consegue mais acompanhar o ritmo e a velocidade da mudança. Isso é um mito”, pontua Wilma, com a voz firme de quem desafiou o status quo.
A longevidade profissional exige adaptabilidade, aprendizado contínuo de novas tecnologias e habilidades, e, acima de tudo, a coragem de quebrar paradigmas. “Hoje, nós não temos, por exemplo, aquela simbologia em que aparece uma pessoa curvada com as mãos nas costas e de bengala. Isso não me representa”, avalia.

A jornada para o envelhecimento é uma trama criada com fios de saúde, finanças prudentes, uma mente aberta a novos desafios e a audácia de viver plenamente, desafiando a cada dia o que o espelho ou a sociedade insistem em dizer que é o “lugar” da idade. O futuro, para aqueles que se preparam, é menos um declínio e mais uma ascensão com novas descobertas e propósitos.
Deste movimento entre diferentes gerações nasce, então, um novo mundo, construído por quem ajudou a construir o ontem, mas também anseia em mudar o amanhã.
Reportagem: Caio Tarcia, Laura Couto, Leonardo Ferreira, Lucas Santos, Thiago Cândido | Edição: Júlio Vieira, Lucas Rage | Criação artística: Ian Laporte, Xiko César