Era para ser um problema do passado. A Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou o fim dos lixões em 2014, prazo depois prorrogado para 2024. Mas, a poucos meses da COP30, marcada para novembro em Belém, o Brasil ainda convive com cerca de 3 mil lixões ativos.
O superintendente técnico da Abrema (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), André Galvão, não mede palavras para definir o cenário. Ele falou sobre o assunto na 98 News nesta quarta-feira (13/8).
“Esse é um problema que é quase um crime permitido no Brasil. Ter lixões no território nacional é crime há muitas décadas. A política nacional determinou o encerramento em 2014, depois prorrogou para 2024, e, obviamente, a gente não conseguiu cumprir como país essa meta.”
Ele lembra que é preciso compreender a diferença entre um lixão e um aterro sanitário. “O aterro sanitário é uma obra de engenharia onde você leva os resíduos e eles podem inclusive ser valorizados, virar energia, virar gás, virar biometano. O lixão é completamente diferente: é um local onde o lixo é disposto de forma totalmente desordenada, sem proteção ambiental, poluindo água e solo, com uma questão social grave. Quem já visitou sabe: é miséria extrema. Crianças junto ao lixo, moscas, uma cena horrível.”
Por que eles persistem
Para André, as razões para que os lixões persistam se dividem em dois eixos. “O serviço de resíduos sólidos, diferente de água, comunicação ou internet, não tem ainda um sistema de pagamento adequado. No aspecto cultural, há uma invisibilidade: colocamos o lixo fora de casa e não queremos saber para onde vai. Muitas vezes nem sabemos se ele está indo para o lixão, para um aterro ou sendo reciclado. Prefeitos usam a falta de dinheiro como justificativa, mas isso não se sustenta diante de exemplos como Alagoas e Pernambuco, que, mesmo com baixa renda, encerraram seus lixões.”
Em Minas Gerais, um terço dos municípios ainda leva resíduos para locais sem licença ambiental.
Soluções possíveis
Segundo o superintendente, a resposta mais simples está mais perto do que parece. “A maioria dos aterros sanitários do país está próxima de municípios que ainda usam lixões. Só utilizando os aterros existentes, poderíamos encerrar mais de mil lixões sem precisar construir nada novo. Em Minas, perto de 100 lixões poderiam ser fechados dessa forma.”
Ele reconhece que consórcios intermunicipais são ferramentas importantes, mas alerta para a burocracia. “Criar um consórcio exige lei nas câmaras de vereadores, acordo entre prefeitos e, muitas vezes, o governo do estado. Enquanto isso, o lixo continua indo para o lixão. Como precisamos resolver em curtíssimo prazo, é melhor usar os mecanismos simples da legislação para levar o resíduo aos aterros já existentes. Onde não há aterros, aí sim será preciso construir, o que demora mais.”
O peso da COP30
Com a conferência batendo à porta, André vê oportunidade de acelerar soluções e mostrar avanços. “A COP tem um poder de imagem e comunicação. Mostra que o país está encerrando chagas ambientais e sociais como os lixões. Isso é importante no nível político e para implementar ideias. Ao mesmo tempo, o setor de resíduos trabalha com a geração de combustíveis derivados do lixo, como o biometano, que substitui diesel e gás fóssil.”
Essa agenda já conta com apoio legal e atrai investimentos robustos. “Temos várias iniciativas aprovadas pelo Congresso, sancionadas pela Presidência, estimulando a produção de combustíveis a partir de resíduos. O setor está muito bem preparado para isso, com mais de R$ 8 bilhões em investimentos previstos nos próximos cinco anos. É uma oportunidade para o Brasil mostrar protagonismo ambiental e inspirar outros países em desenvolvimento a seguir esse caminho.”