Ontem uma significativa parcela de brasileiros foi às ruas, de maneira legítima, manifestar-se contra o ativismo judicial e a autoridade exacerbada da Suprema Corte Brasileira. Não é o caminho acertado para as reivindicações, mas não pode ser ignorado o recado que está sendo dado: O Senado Federal tem que, urgentemente, ocupar-se do tema.
A aplicação da Lei Magnitsky a Alexandre de Moraes pode até parecer um devaneio trumpista, mas ela abre um debate incontornável para quem ainda se preocupa com os rumos da democracia no Brasil. O erro de Trump, e ele errou, não está em denunciar abusos de poder, mas em instrumentalizar a diplomacia para fins eleitorais, mirando um ministro de uma democracia debilitada, mas sem substância liberal.
O Brasil, como é sempre dito pelo Professor Augusto de Franco, ainda não é uma ditadura, mas estamos distantes de sermos vistos como uma democracia liberal ou plena. Os rankings internacionais que medem a qualidade institucional, como o V-Dem e a The Economist Intelligence Unit, não colocam nosso país ao lado de Canadá, Suécia e Uruguai. E há razões para isso.
A Suprema Corte vista com desconfiança
O Supremo Tribunal Federal, especialmente sob a caneta de Moraes, vem agindo com alarmante ativismo judicial, confundindo jurisdição com militância, segurança com silenciamento, legalidade com arbítrio. Censurar veículos de imprensa antes de qualquer decisão judicial definitiva, emitir ordens secretas para remover conteúdos e perfis inteiros das redes sociais, bloquear plataformas internacionais, congelar contas bancárias e pedir extradição de brasileiros por crime de opinião: tudo isso compõe um cenário que se confunde com as ditaduras e que não respeita os princípios básicos do Estado de Direito liberal. É o uso da toga como arma para atingir os inimigos escolhidos a dedo.
No entanto, transformar esse diagnóstico em um salvo-conduto para ações unilaterais dos Estados Unidos é outro erro grave. A aplicação da Lei Magnitsky deveria estar restrita a regimes e atitudes contra os interesses americanos, desde que comprovadamente autocráticos. Estendê-la a um ministro da mais alta corte de um país, ainda que disfuncional e não plenamente democrático, é jogar gasolina no incêndio das relações diplomáticas e dar a Lula e ao STF o pretexto perfeito para vestir, de maneira oportunista, a armadura do patriotismo ofendido.
É preciso cautela, e sobretudo, coerência.
Quem critica Trump por suas investidas contra a Suprema Corte americana deveria ser igualmente vigilante diante do exagero de poder exercido pelo STF brasileiro. E quem acusa Moraes de extrapolar seu papel não pode aplaudir um estrangeiro que decide, à sua maneira, aplicar punições extraterritoriais em nome da moral universal. Há um desvio moral em defender a soberania nacional para proteger quem, de dentro do país, relativiza as liberdades fundamentais.
Porém há um risco de perder o foco. O problema não é a ofensa de Trump. O problema é um Judiciário que perdeu o senso de autocontenção. Que legisla, executa, julga, censura e ainda se blinda da crítica sob o argumento de que protege a democracia, enquanto a sufoca.
A crítica ao STF não pode ser sequestrada por nacionalismos oportunistas. Tampouco a defesa da soberania pode servir como manto para práticas anti democráticas. Democracia, afinal, é mais que voto, é separação de poderes, respeito às liberdades civis e limites institucionais. E nesse aspecto, nem Trump nem Moraes parecem ter entendido a lição.