Por mais que a democracia seja, por definição, o regime dos muitos, o Brasil parece insistir em reinventá-la à sua maneira. A concentração de decisões bilionárias nas mãos de um só. O caso do decreto do IOF é exemplar. Não é o Congresso que decide, tampouco o colegiado do Supremo. É Alexandre de Moraes, o ministro-oráculo do Palácio do Planalto, quem decidirá os rumos econômicos do país.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista na noite desta segunda-feira, revelou o que todos já intuíamos, não é mais o Legislativo quem dá a palavra final sobre a política econômica. É o Judiciário. Ou, para sermos mais específicos, é um ministro do Supremo. Moraes, sozinho, tirou as dúvidas sobre os impactos fiscais, avalia o mérito do decreto e promete, segundo Haddad, uma decisão ainda nesta semana. Não se trata de julgamento técnico, mas de negociação política travestida de jurisdição.
O conforto do Supremo
Mais grave que isso é o que se desenha nos bastidores: um plano do governo de aprofundar sua aliança informal com setores do Supremo. A relação que antes era de contenção, como deve ser numa democracia baseada em pesos e contrapesos, virou parceria de conveniência. O Planalto, fragilizado no Congresso, busca no Judiciário uma tábua de salvação para suas medidas econômicas e projetos legislativos impopulares. E o Supremo, cada vez mais confortável nesse papel de árbitro político, se oferece como poder moderador de fato.
É uma inversão perversa: o Executivo, que deveria governar, terceiriza a governabilidade; o Judiciário, que deveria julgar, assume a prerrogativa de legislar; e o Legislativo, eleito para representar o povo, torna-se um mero espectador da cena. O risco é institucional: quanto mais se transfere à toga o que cabe ao voto decidir, mais se esgarça o tecido democrático.
É simbólico, e sintomático, que a PEC 66, dos precatórios, tenha avançado na Câmara enquanto o ministro aguardava Moraes liberar o decreto do IOF. O Congresso corre, mas quem manda parar ou seguir é outro poder.
E assim vamos assistindo à consolidação de um modelo no qual o Executivo governa com decretos, o Supremo corrige ou chancela conforme o alinhamento, e o Congresso apenas negocia suas migalhas. Não é um golpe. É um arranjo institucional torto, mas funcional para quem está no poder. Um presidencialismo de toga com pitadas de cesarismo fiscal.