Em política internacional, a omissão também é escolha, e geralmente das mais custosas. A tarifa de 50% imposta pelo governo de Donald Trump às exportações brasileiras não caiu do céu como castigo divino. Foi anunciada, construída politicamente e, acima de tudo, negligenciada por um governo brasileiro que preferiu o silêncio altivo ao diálogo pragmático.
Cometendo o erro de não negociar, e nem sequer tentar construir um canal de entendimento com o maior parceiro comercial do Brasil fora da América Latina. Enquanto outros países correram atrás de isenções, apresentaram contrapartidas ou engajaram em mesas multilaterais, o Brasil assistiu passivamente à escalada protecionista vinda de Washington.
Mais grave ainda é a letargia da equipe econômica, que não conseguiu antecipar cenários, nem oferecer planos de contingência. Faltou visão estratégica, sobrou burocracia. A reação imediata foi cogitar retaliações, como tarifas recíprocas ou até a quebra de patentes. Soluções que podem parecer ousadas, mas que revelam apenas desespero e improviso.
É um duplo fracasso: diplomático e econômico. De um lado, um Itamaraty enfraquecido, que perdeu sua capacidade de construir pontes. De outro, uma equipe econômica que parece mais preocupada em cumprir rituais fiscais do que em proteger a economia real. A indústria brasileira, já combalida, agora é colocada diante de um cenário hostil, sem defesa nem interlocução.
A tarifa de Trump não é só um problema comercial. É um espelho que reflete a ausência de estratégia do governo brasileiro diante do novo cenário global. Um mundo em que protecionismo e disputas geopolíticas se intensificam exige mais que declarações vazias e gestos simbólicos. Exige política externa profissional, inteligência econômica e, acima de tudo, capacidade de agir antes que o dano se instale.
Tarifas de Trump podem atingir o SUS
A diplomacia, quando falha, manda a conta para quem menos pode pagar. A ameaça de uma retaliação do governo brasileiro ao tarifaço de 50% imposto por Donald Trump, seja por uma tarifa equivalente, seja pela quebra de patentes, pode parecer firmeza estratégica. Mas na prática, o risco é outro: paralisar o sistema de saúde pública do Brasil.
Só no ano passado, o país importou mais de 1,7 bilhão de dólares em produtos farmacêuticos dos Estados Unidos. Quase 930 milhões em medicamentos e mais 750 milhões em vacinas e imunobiológicos. Com um pequeno detalhe, o maior comprador é o SUS. O mesmo SUS que atende milhões de brasileiros que dependem de remédios de alto custo para seguir vivendo.
Se o Brasil retaliar com a mesma moeda, a moeda pode virar veneno. O impacto não será sobre as elites econômicas nem sobre o agronegócio exportador, que também sofrerá, mas tem colchão de sobrevivência. Será sobre pacientes com câncer, doenças raras, imunodeficiências. Será no hospital público, na farmácia de alto custo, na fila de espera por tratamentos de última geração.
Num mundo em que geopolítica e saúde se entrelaçam, cada ação tem uma consequência humanitária. E retaliar sem planejamento pode nos custar caro. Talvez, caro demais. Porque quando a resposta diplomática atinge o remédio do povo, já não é política. É crueldade.