O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por suposta tentativa de golpe, destacado pelo jornal norte-americano The New York Times, não é apenas mais um capítulo da história turbulenta da política brasileira: é um divisor de águas. Para os olhos estrangeiros, o Brasil pode alcançar aquilo que os Estados Unidos jamais ousaram, levar um ex-presidente ao banco dos réus por tentar se perpetuar no poder após derrota nas urnas.
A narrativa parece épica, instituições que resistem, um Supremo Tribunal Federal que age, e a transição de governo garantida em meio à resistência de Bolsonaro em admitir a derrota. Para muitos, trata-se de um triunfo democrático, uma prova de que a democracia brasileira, ainda jovem, é mais robusta do que imaginavam os que a subestimaram.
Mas como todo triunfo, ele carrega sombras. O STF, sob a batuta do ministro Alexandre de Moraes, concentrou poderes inéditos: mandou prender, bloquear redes sociais, conduzir investigações e segurar a linha de frente contra ataques às instituições. O NYT aponta a contradição: ao mesmo tempo em que protegeu a democracia, a Corte abriu debates sobre seus próprios limites. Afinal, salvar a democracia justificaria extrapolar fronteiras constitucionais?
Polarização e riscos de excesso
Pesquisas citadas pelo jornal mostram um Brasil rachado: 46% pedem o impeachment de Moraes, enquanto 43% o defendem. Mais da metade da população crê que Bolsonaro tentou um golpe; mais de um terço discorda. Nesse ambiente, cada decisão do Supremo soa como sentença não apenas contra um homem, mas contra metade da sociedade.
O jurista Walter Maierovitch resumiu bem: os erros do STF não apagam nem justificam o crime, mas também não podem se repetir. Democracia não se sustenta no terreno movediço da excepcionalidade permanente.
Para apimentar o cenário, Donald Trump, no último mês de julho, em carta a Lula, classificou o processo como “caça às bruxas”. O ex-presidente americano tentou interferir na narrativa, mas Brasília seguiu firme ao lado de Moraes. Lula, por sua vez, aproveita o embate para reforçar a imagem de defensor da democracia, enquanto Bolsonaro posa de mártir para seus seguidores.
No fim, o julgamento de Bolsonaro vai muito além do destino pessoal do ex-presidente. Ele será a régua pela qual se medirá o alcance do STF e o equilíbrio entre poder judicial e democracia. Se punir Bolsonaro for visto como justiça, o Brasil pode se firmar como referência mundial. Se for percebido como excesso, o Supremo corre o risco de trocar a legitimidade pelo desgaste, e a democracia, em vez de fortalecida, pode sair ainda mais fraturada.
A pergunta, afinal, continua no ar: o STF está salvando ou ameaçando a democracia brasileira?