Há momentos na política em que o barulho das palavras precisa ceder ao som das engrenagens do mundo real. A conversa telefônica entre Lula e Trump, por mais banal que pareça, é uma dessas ocasiões simbólicas em que o pragmatismo vence o dogmatismo. Foi apenas um telefonema, mas um telefonema que resgata o óbvio. Nações não podem se dar ao luxo de brigar com seus próprios interesses.
Por trás da cordialidade de praxe, houve algo mais relevante. A iniciativa partiu de Trump, até pouco tempo refratário à ideia de falar com o Brasil e com Lula. Ambos descreveram a conversa como “amistosa”, trocaram números diretos e acenaram para um encontro futuro, talvez ainda neste mês, na cúpula da Asean, na Malásia. O mais importante, porém, foi o tema, comércio, e não política. Enfim, os adultos voltaram à sala.
Quando um simples telefonema entre dois presidentes vira boa notícia, é sinal de que o ambiente estava doente. Lula, na ânsia de se firmar como líder global alternativo, cultivou uma retórica antiamericana que agrada plateias ideológicas, mas empobrece a diplomacia. Trump, por sua vez, compra versões levadas por pessoas ligadas ao ex-presidente Bolsonaro e impôs tarifas e sanções injustificáveis ao Brasil. Ambos preferiram o palco à ponte, e o resultado foi previsível: paralisia.
O diálogo agora reaberto indica que os dois lados perceberam o custo da encenação. A retórica esvaziou-se, e o pragmatismo, esse velho e discreto artífice das boas relações, reassumiu o volante. É o reconhecimento tácito de que slogans não pagam salários, bravatas não criam empregos e ideologias não substituem cadeias produtivas.
O mérito da reaproximação pertence menos à suposta “química” entre os líderes e mais à paciência silenciosa de empresários brasileiros e americanos. Foram eles, que limparam o terreno minado pelas vaidades políticas. Trocaram versões distorcidas por dados, neutralizaram sabotadores e abriram canais de informação confiável. Em outras palavras, substituíram a teatralidade do poder pela responsabilidade de quem entende que o comércio, a tecnologia e o emprego são línguas universais.
Essa vitória do pragmatismo é, na verdade, a vitória da normalidade, e como toda normalidade, ela parece extraordinária num país acostumado ao improviso. O Brasil tem minerais estratégicos que o mundo deseja; os Estados Unidos buscam fornecedores que não o deixem dependente de adversários geopolíticos. O campo é fértil para acordos de energia, segurança alimentar e inovação tecnológica. Nenhum desses temas exige submissão, apenas previsibilidade, regras e vontade de negociar.
Entre o palco e a planilha
É claro que o otimismo precisa vir com bula. Trump é um personagem errático, movido por impulsos; Lula ainda se deleita em transformar gestos técnicos em comícios patrióticos. Mas é justamente por isso que a vitória do pragmatismo é valiosa. Ela sobrevive apesar dos protagonistas. Cabe ao Itamaraty proteger o que foi reconstruído e blindar as relações de recaídas performáticas. Diplomacia não é palanque, e política externa não é ringue ideológico.
O aprendizado é claro: o antiamericanismo teatral de um lado e o populismo tarifário do outro serviram apenas aos que lucravam com a crise. Enquanto líderes discursavam, empresas perdiam mercados, cadeias de suprimento se rompiam e empregos evaporavam. O telefonema oferece uma chance rara, a de corrigir rumos sem precisar reescrever discursos.
Pragmatismo, nesse contexto, não é resignação. É um método. É o retorno à técnica, à moderação e à métrica. Equipes autônomas, metas mensuráveis, cronogramas, e, sobretudo, a humildade de avançar por etapas. Um acordo setorial aqui, uma exceção tarifária ali, um projeto de cooperação científica acolá. O futuro se constrói assim, em silêncio, enquanto os holofotes miram os que berram.
A vitória do pragmatismo não tem hino nem bandeira. Ela se manifesta no tom neutro de um comunicado conjunto, no telefonema protocolar que abre uma porta, no gesto calculado que evita o desastre. É a vitória dos que preferem o resultado ao aplauso, o diálogo ao slogan, o trabalho à retórica.
E se há algo que o Brasil precisa neste momento, em sua política interna e externa, é dessa sabedoria antiga e sempre nova. A de que, quando os adultos voltam à sala, o mundo volta a sonhar com o futuro.