A política monetária é um jogo de leitura fina e, às vezes, o que muda é apenas uma palavra. Foi o que aconteceu no último comunicado do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. A palavra “vigilante” não desapareceu, mas mudou de lugar no texto, e o verbo “avaliar” foi colocado no presente e não mais no gerúndio.
Pode parecer um detalhe, mas essa combinação muda completamente o tom da mensagem. Em um ambiente de leitura atenta, como o do mercado, essa sutileza, associada à pressão do governo para a redução das taxas de juros, pode acender as apostas de uma futura redução de juros. Essa mudança sutil sinaliza que a autoridade monetária enxerga o nível atual da Selic como suficientemente contracionista para manter o controle da inflação, ou seja, não há no radar qualquer intenção de subir os juros novamente.
O comunicado também reconheceu avanços na trajetória da inflação subjacente, aquela que desconsidera itens mais voláteis e mostra a tendência real dos preços. Houve ainda pequena melhora na projeção de inflação para o horizonte relevante da política monetária, lá no segundo semestre de 2027, que caiu de 3,4% na última reunião para 3,3% nesta reunião.
É um avanço, ainda que a projeção permaneça acima do centro da meta, que é de 3%, o que indica que o Banco Central não está pronto para celebrar a vitória. O tom do comunicado também continua duro. A mensagem é clara: os juros permanecerão altos por um período prolongado, até que o Banco Central tenha confiança total de que a inflação voltará e se manterá no centro da meta.
Na prática, isso significa que, apesar da leitura que pode ser mais otimista do mercado, a queda da Selic pode não acontecer já em janeiro, como parte dos investidores começou a precificar. O Banco Central prefere agir com prudência. E, em política monetária, a prudência quase sempre significa surpreender sendo mais conservador do que o mercado espera. Essa estratégia tem uma lógica: ao atuar de forma mais dura do que o consenso em momentos de incerteza, o Banco Central reforça sua credibilidade.
Foi exatamente isso que aconteceu na última alta de juros do ciclo anterior, quando o mercado esperava estabilidade e o Banco Central decidiu subir a Selic em 0,25 ponto percentual. Economicamente, o custo foi pequeno, mas o ganho de reputação foi grande. Essa credibilidade é um ativo essencial, especialmente depois de anos de inflação longe do centro da meta. Agora, o cenário parece novamente propício para o Banco Central reafirmar seu compromisso com a estabilidade de preços a um custo mínimo.
É um jogo de xadrez e, ao mesmo tempo, um jogo de sombras. Os agentes econômicos ajustam as suas expectativas com base na interpretação das entrelinhas.
É uma sinalização mais amigável para fazer o mercado antecipar as apostas de um corte de juros, o que reduz artificialmente as expectativas de inflação. E é justamente nessa brecha que o Banco Central pode surpreender, mantendo o tom duro por mais tempo, adiando o início do ciclo de cortes para o final do primeiro trimestre e colhendo um benefício adicional: o de poder cortar mais à frente, com mais força e segurança, sustentando expectativas mais bem ancoradas. Em economia, não existe alquimia.
Juros não caem porque o governo quer ou porque o mercado deseja; caem quando há confiança, disciplina e credibilidade. A condução da política monetária é, antes de tudo, um exercício de paciência e coerência. O Banco Central sabe que, para colher os frutos da estabilidade, precisa antes reconstruir a confiança abalada por anos de volatilidade. E, para isso, falar menos e agir com firmeza é sempre mais eficaz do que ceder ao otimismo apressado do mercado.
Está aí postada uma armadilha: enquanto o mercado pode começar a apostar no início do ciclo de corte de juros já em janeiro, o Banco Central parece direcionar as expectativas e o início do seu corte de juros para o final do primeiro trimestre. Está dada a largada, estão feitas as apostas.
