Há cenas na política que têm a precisão simbólica de um eclipse, acontecem no momento exato para revelar tudo o que anda errado. A derrubada, pelo Congresso, dos vetos de Lula ao novo marco do licenciamento ambiental é uma dessas cenas, e, ironicamente, explode no mesmo mês em que o Brasil tentou, sem grande brilho, vender ao mundo a imagem de potência ecológica durante a COP 30.
É como se o país tivesse montado um palco verde, iluminado, internacional, para depois tropeçar ali mesmo nos bastidores da própria política doméstica. A natureza não perdoa incoerência; o Congresso brasileiro muito menos.
O governo que tenta falar verde lá fora e sangra aqui dentro
O Planalto apostou numa narrativa ambiental elevada, quase litúrgica, para tentar justificar os vetos. E fez isso logo no mesmo período em que realizava uma conferência que deveria coroar o Brasil como protagonista climático, mas que terminou marcada por improvisos, hotéis caríssimos, logística capenga e um apelido desconfortável: Flop 30.
A derrota no licenciamento ambiental é mais do que simbólica. Ela fere a narrativa do governo num ponto sensível, sua credibilidade ambiental, justo no mês em que Lula posou com lideranças estrangeiras tentando vender o país como farol ecológico.
É difícil defender o verde quando a política interna está desbotando em tons de cinza.
A derrubada dos vetos escancara um governo que perdeu o tato político, o ritmo, a capacidade de leitura. O Planalto errou na análise, errou na conta, errou na estratégia, e terminou exposto diante de um Congresso que, cada vez mais, governa sozinho.
O desgaste já não é subterrâneo. Ele está à flor da pele: Lula não consegue consolidar maioria em pautas estratégicas, líderes governistas reclamam da falta de direção, parlamentares aliados votaram contra o Planalto sem o menor constrangimento, e o governo parece viver de remendos, adiamentos e improvisos. Se existe algo mais problemático do que perder uma sanção de projeto, é ver seus vetos derrubados quando isso não pode acontecer.
A sensação dominante no Congresso é que o governo deixou de ser protagonista. Tornou-se coadjuvante da própria pauta. Lula, que um dia navegou com folga no presidencialismo de coalizão, hoje não comanda sequer a maré.
Na questão do licenciamento ambiental, o recado foi claro: setores econômicos pressionaram pela derrubada; parlamentares cansaram do discurso sem entrega; a base descolou; e o Planalto ficou falando sozinho. O isolamento do governo ficou tão evidente quanto o calor úmido e caótico que tomou conta de Belém durante a conferência climática.
Não deixa de ser irônico, ou trágico, que o governo tenha enfrentado uma de suas maiores derrotas ambientais justamente no mês em que tentava convencer o planeta de que o Brasil tem um modelo exemplar de governança ecológica.
Enquanto Lula discursava sobre Amazônia, floresta e compromisso climático, aqui dentro o Congresso desmontava sua peça narrativa com a tranquilidade de quem vira a página de um livro já decorado.
Sim, o país precisa de proteção ambiental. Mas também precisa de prazos, previsibilidade e regras claras. O novo marco do licenciamento tenta atender a esse equilíbrio. Os vetos presidenciais iam na contramão. Mais ideologia do que técnica, mais discurso do que gestão.
O Congresso, percebendo isso, reagiu como reage quem já se cansou da retórica: derrubou.
No mesmo mês em que o Brasil tentou reposicionar-se como referência ambiental global, o governo sofreu uma derrota que expõe exatamente o oposto, descoordenação interna, fraqueza política e um isolamento que se aprofunda. Essa combinação é perigosa. E tende a se repetir.
Há outras pautas no horizonte, orçamento, tributação, políticas energéticas, recomposição fiscal. A dúvida é se o governo terá força para aprovar o que precisa ou se continuará sendo governo apenas no Diário Oficial, enquanto o Congresso segue conduzindo a vida real.
A derrubada dos vetos ambientais, no mês da COP 30, é mais que um revés. É uma metáfora viva, o governo subiu ao palco internacional para dizer ao mundo como salvar o planeta, mas tropeçou no próprio tapete verde assim que voltou para casa.
