Com a chegada do Dia do Advogado, comemorado em 11 de agosto, profissionais do Direito vivem uma realidade em transformação. A inteligência artificial (IA), antes vista como uma ferramenta distante, já está sendo usada diariamente em escritórios e tribunais — otimizando tarefas, mas também levantando dúvidas sobre os limites éticos e jurídicos do seu uso.
Em entrevista à 98 News, nesta quarta-feira (6/8), a professora Elaine Coimbra, especialista em transformação digital, inteligência artificial e docente da ESPM, explicou como a tecnologia tem modificado a atuação dos advogados, clientes e até do próprio Judiciário.
“Algumas faculdades já começaram a treinar, colocar no currículo da graduação, porque a linguagem jurídica é ambígua e depende de interpretação. E a inteligência artificial simplesmente conecta conteúdos. Ela não tem esse lado humano da gente dar uma interpretação ao texto, o que está nas entrelinhas.”
Como os advogados têm usado a IA?
Segundo Elaine, a principal aplicação no dia a dia é a pesquisa jurídica.
“Os advogados estão usando para várias coisas. Uma extremamente útil é conversar com a IA e pedir para ela trazer legislação, ficando a cargo do advogado a interpretação. Como são muitas leis, ela está ajudando e muito a ganhar tempo para achar os artigos, portarias e normas que interessam ao caso.”
O uso da IA também tem otimizado o atendimento aos clientes. “O advogado que às vezes perde muito tempo explicando pode ter um assistente digital. Quando o cliente liga perguntando ‘Como está meu processo?’, ‘Por que está demorando tanto?’, esse assistente já explica, deixando ao advogado tempo para redigir e interpretar a lei”, afirma Elaine. “Quanto tempo demora? Qual o valor das custas que devo recolher? Por que devo recolher essas custas? Essa parte de atendimento ao cliente também pode ser ajudada.”
E no Judiciário?
Segundo a especialista, o uso da IA por juízes, promotores e servidores ainda não é normatizado, mas já existe.
“O juiz e o promotor podem usar a IA para pesquisa: casos semelhantes, acordos, jurisprudência. Mas o que aconteceu no Sul do país foi que uma juíza resolveu usar a IA para pôr em dia os processos e houve muitas críticas. Mas aí vem a interpretação: ela usou a IA, mas ela decidiu ou a IA decidiu? Tem uma grande diferença.”
Para Elaine, a IA pode auxiliar, mas a decisão deve permanecer humana. “Ela pode usar a IA para ajudá-la no trabalho de comparação, de ver outras decisões de outros tribunais, mas a decisão é humana e a argumentação do advogado também é humana. A gente precisa de uma coisa que só os humanos têm: pensamento crítico, argumentação.”
Segundo ela, oficiais de justiça também já usam ferramentas para cruzar informações e localizar documentos com mais rapidez.
Tendência é de avanço, mas com cautela
Elaine acredita que o uso da IA no campo jurídico tende a crescer, especialmente na parte administrativa dos cartórios e nos gabinetes dos juízes.
“O tempo que ele gasta consultando, cruzando dados, validando informações da petição e da documentação do processo pode ser diminuído em muito. Isso vai avançar e em benefício da população.”
E os riscos?
Apesar dos benefícios, o uso da IA traz riscos, principalmente quando mal interpretada.
“Se você está usando a IA como apoio, perigo algum. Entretanto, se você usa para redigir uma petição ou argumentação, temos vários problemas. A IA é uma matemática, trabalha com estatística. Ela não tem noção do que está escrevendo, está apenas concatenando palavras.”
Ela explica que o uso indevido pode levar a vieses e erros técnicos. “Pode escrever com viés, porque foi treinada com dados de outros países. E, ao carregar um processo que está em segredo de justiça, os dados informados podem ser usados para treinamento, caso a ferramenta não tenha o bloqueio ativado. Isso pode gerar insegurança jurídica.”
Outro risco está na desatualização. “As leis mudam muito. Temos portarias, leis municipais, estaduais, federais. Para a IA funcionar com a legislação brasileira, precisa estar integrada a bancos de dados que nem sempre estão disponíveis.”
Para ela, o caminho é o uso consciente e complementar da tecnologia. “A IA é um apoio, não uma muleta. E sempre precisaremos de seres humanos para interpretar, argumentar e decidir.”