Vivemos um paradoxo no setor elétrico brasileiro. Enquanto a oferta de energia, especialmente renovável, cresce de forma acelerada, a conta de luz para o consumidor residencial segue subindo. E isso não é apenas um problema de percepção, é um sintoma de uma estrutura que não converte potencial em benefício direto para a sociedade. O Brasil realmente tem energia de sobra.
A geração instalada já supera a demanda e o país é hoje uma potência em fontes renováveis, com destaque para a energia solar e eólica. À primeira vista, isso deveria baratear a conta de luz, mas o problema está no perfil da geração. As fontes renováveis, embora limpas e de baixo custo marginal de operação, são intermitentes, ou seja, produzem energia apenas quando há vento ou sol. A geração solar, por exemplo, concentra-se entre 10 da manhã e 16 horas, justamente quando o consumo residencial é menor.
Já o pico de demanda ocorre no início da noite, quando as pessoas chegam em casa e o sol já se pôs. Nesse intervalo, o sistema precisa acionar usinas térmicas, movidas a gás natural, óleo ou carvão, que têm custo muito mais alto e, portanto, encarecem o preço da energia no horário de pico.
Em outras palavras, o país tem muita energia, mas ela é produzida nas horas erradas, e o custo de garantir que ela esteja disponível quando o consumidor precisa é alto. Além disso, há o custo da transmissão e das perdas. Grande parte da energia eólica e solar é gerada no Nordeste, enquanto o principal consumo está no Sudeste e no Sul. Essa energia precisa percorrer longas distâncias por linhas de transmissão, gerando perdas técnicas e custos adicionais de operação.
O sistema, portanto, carrega uma ineficiência estrutural. Paga-se caro não pela energia em si, mas para fazê-la chegar aonde é necessário e na hora certa. Há também o lado dos encargos e o problema é igualmente grave e pouco compreendido. Quem arca com boa parte dos custos fixos e encargos do sistema elétrico é o consumidor cativo, aquele que compra energia diretamente da distribuidora.
Esse consumidor paga uma espécie de condomínio do setor elétrico, bancando subsídios para programas de desenvolvimento, incentivos para energias renováveis, bandeiras tarifárias e encargos de transmissão. Só que esse condomínio vem encolhendo. Com a expansão do mercado livre de energia, grandes empresas e consumidores de médio porte podem negociar diretamente com geradoras e comercializadoras, fugindo das tarifas reguladas e dos encargos que pesam na conta de luz tradicional.
O resultado é que a base de consumidores que paga essa conta — os residenciais e pequenas empresas — fica cada vez menor e os custos fixos são rateados entre menos pagantes, elevando ainda mais o valor da tarifa. É como se o condomínio tivesse cada vez menos moradores, mas as despesas permanecessem as mesmas. Quem fica, paga mais caro.
O mercado livre é, sem dúvida, uma evolução para a competitividade e a eficiência do setor, mas a transição está sendo feita de forma desbalanceada, deixando o consumidor cativo com uma conta desproporcional. Outro ponto crucial é a eficiência do sistema e a capacidade de armazenamento. Hoje, o Brasil ainda depende fortemente das hidrelétricas para equilibrar o sistema.
Elas funcionam como uma espécie de bateria natural, mas com o avanço da geração solar e eólica essa flexibilidade está diminuindo e o país precisa investir em novas formas de armazenamento, como baterias, hidrogênio verde ou usinas reversíveis, e em gestão inteligente da rede para reduzir perdas e otimizar o uso da energia disponível. Sem isso, continuaremos a desperdiçar o potencial das fontes renováveis, pagando caro por um sistema que é, no fim, pouco eficiente.
Em economia, não existe alquimia. Não adianta gerar mais energia renovável se o sistema continua mal desenhado, com benefícios estruturais, encargos distorcidos e uma regulação que pune quem não tem opção de escolha. O resultado é um sistema com sobra de energia e falta de racionalidade econômica, onde o custo da ineficiência é pago por quem menos pode escolher: o consumidor residencial.
Se o Brasil quiser de fato aproveitar seu potencial energético e reduzir o custo da luz, precisa modernizar seu sistema regulatório, investir em armazenamento, rever os encargos e garantir que a transição para o mercado livre seja justa. Até lá, continuaremos nesse paradoxo tropical: energia em excesso, conta nas alturas e paciência no limite.
