O professor e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, Luiz Flávio Sapori, avaliou que não há justificativa para o uso de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ou seja, o uso das forças armadas na operação deflagrada no Rio de Janeiro nesta semana contra o Comando Vermelho. Em entrevista à 98 News, nesta quarta-feira (29/10), ele disse que o modelo adotado pelo governo fluminense repete um padrão de enfrentamento antigo, marcado pela violência e pela ausência de estratégia territorial.
“Na forma como ocorreu essa operação, não faz sentido falar em GLO. Ficou claro que o governo do estado, sob a liderança do governador Cláudio Castro, não fez questão da participação do governo federal”, afirmou Sapori.
O professor destacou que o objetivo da ação foi o confronto direto com o crime, sem planejamento de ocupação permanente das áreas.
“Esse modelo de operação é recorrente na história do Rio de Janeiro há 30 ou 40 anos. A diferença, neste caso, foi a magnitude. Nunca houve uma operação policial com tamanha dimensão e tantas vítimas. Os números atualizados indicam que o total de mortos deve ultrapassar 100 pessoas”, disse.
Sapori comparou o caso à intervenção de 2010, quando as forças de segurança ocuparam o Complexo do Alemão por cinco anos. “Naquele caso, a GLO fazia sentido, porque havia a retomada de território com o envolvimento de várias forças: Polícia Militar, Polícia Civil, Exército, Marinha e Aeronáutica. Agora, nesse modelo de confronto direto, as Forças Armadas não teriam utilidade.”
PEC da Segurança é positiva, mas não muda a realidade de imediato
Ao comentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, em discussão no Congresso, Sapori avaliou que a medida é “bem-vinda”, mas não trará efeitos práticos imediatos.
“Uma emenda à Constituição é importante, mas não muda a realidade prática. O que há de relevante é que ela insere na Constituição as diretrizes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado por lei federal em 2018”, explicou.
Segundo ele, o principal desafio está em transformar o texto constitucional em políticas efetivas. “É preciso transformar o sistema único em um modelo de gestão compartilhada, em que as decisões de segurança sejam tomadas conjuntamente pela União, estados e municípios. É fundamental integrar as polícias federal, estaduais e municipais, além das guardas, do Ministério Público e da polícia penal. É um caminho importante, mas seus efeitos são de médio e longo prazo.”
‘O governo federal historicamente se omitiu na segurança pública’
Sapori também criticou a falta de articulação entre os governos federal e estaduais na formulação de políticas de segurança pública. Para ele, essa desconexão histórica contribui para a fragilidade das ações contra o crime organizado.
“Na prática, não temos uma articulação efetiva entre o Ministério da Justiça e as secretarias estaduais de segurança. Esse diálogo ocorre pontualmente, quando há operações conjuntas ou repasses do Fundo Nacional de Segurança. Mas, desde a Constituição de 1988, nunca tivemos uma atuação integrada de fato”, avaliou.
O sociólogo lembrou que a omissão do governo federal é um padrão que se repete há décadas. “Isso não ocorre apenas no governo atual, de Lula. Aconteceu também nos governos Bolsonaro, Temer e Fernando Henrique Cardoso. O governo federal sempre assumiu que a responsabilidade pela segurança pública era dos governadores. Parte da situação do Rio é fruto disso.”
Para ele, a integração entre forças é a única saída para enfrentar a violência no país. “Enquanto não tivermos todos os órgãos na mesma mesa Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, polícias militares e civis, Ministério Público e guardas municipais, tomando decisões conjuntas e trocando informações, não haverá avanço. Quando falamos em integração, não é um discurso teórico. É algo prático. Isso é possível fazer, e já há experiências locais bem-sucedidas no Brasil. Não existe outra solução para enfrentar o crime e a violência sem essa articulação. Ainda estamos esperando que isso se concretize”, finalizou.
