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A liminar que parou Belo Horizonte

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(Foto: Agência Câmara / Reprodução)

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A cena é típica do nosso tempo, em vez de política pública madura, espetáculo judicial. Em vez de diálogo institucional, holofote. E foi exatamente isso que Belo Horizonte viveu nas últimas semanas quando uma ação da deputada federal Duda Salabert provocou um efeito dominó capaz de travar, de uma só vez, o licenciamento ambiental de obras essenciais para a cidade. O resultado? Caos administrativo, insegurança jurídica e ameaça real a projetos que impactam diretamente a vida de milhares de pessoas.

O episódio escancara como decisões impensadas, ou precipitadas, podem colocar uma capital inteira na corda bamba.

A ação judicial movida pela deputada, travestida de defesa da participação social, transformou-se em um ataque direto à governabilidade da cidade. Com base em questionamentos sobre o processo de escolha das entidades da sociedade civil para o Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), a parlamentar conseguiu uma liminar que anulava decretos, ressuscitava editais antigos, derrubava regras novas, anulava prorrogação de mandatos, e, de quebra, paralisava todos os processos de licenciamento ambiental que dependiam do COMAM. Foi como puxar o fio errado de um novelo. Desmanchou tudo.

Não estamos falando de detalhes burocráticos. Estamos falando de obras de drenagem, contenção de encostas, urbanização, moradia popular, regularização de atividades empresariais, projetos imobiliários, intervenções que evitam enchentes e tragédias. Era a cidade inteira com o freio de mão puxado por causa de uma disputa política travada na chave do ativismo judicial.

A liminar representou um ato temerário, porque transformou um debate legítimo, a representatividade das cadeiras do COMAM, em uma bomba-relógio administrativa. Uma cidade do porte de Belo Horizonte não pode ser arrastada para o improviso por uma ação que ignora completamente o impacto direto na vida real das pessoas.

A cidade parada pela força de uma canetada

É preciso dizer com todas as letras: a decisão de primeiro grau foi desastrosa para Belo Horizonte. Criou um vácuo institucional, travou processos estruturantes e gerou incerteza imediata entre empresas, órgãos públicos, entidades ambientais e toda a cadeia produtiva que depende da previsibilidade do licenciamento.

A liminar ultrapassou o limite do razoável ao interferir de forma absoluta em atos administrativos típicos, avançando sobre competências técnicas da Prefeitura e do COMAM. E fez isso sem ponderar consequência alguma. Em vez de remediar um eventual problema no processo eleitoral das entidades, a liminar desarrumou todo o sistema.

Enquanto a deputada tentava vender a liminar como “vitória da democracia”, a cidade assistia, perplexa, ao risco real de parar obras prioritárias, inclusive as relacionadas à prevenção de enchentes, tema sensível e urgente em BH. Tudo isso numa época de chuvas intensas, quando cada intervenção suspensa pode custar caro.

A decisão do presidente do TJMG devolveu o equilíbrio ao processo. O desembargador reconheceu que a liminar criava grave lesão à ordem e à economia públicas. E reconheceu também o óbvio: que a tutela provisória havia passado do ponto, interferido diretamente no funcionamento da administração municipal e produzido um cenário artificial de colapso.

Com a suspensão da liminar o COMAM volta a funcionar normalmente; os processos de licenciamento são retomados; obras essenciais voltam a andar; e o debate sobre a composição do conselho retorna ao seu devido lugar: o mérito da ação, sem espetacularização e sem paralisar a cidade.

Essa decisão não encerra a discussão sobre as regras do COMAM, mas devolve o país às regras da democracia representativa: cada poder no seu quadrado, cada instância com sua responsabilidade. O Executivo administra, o Judiciário corrige quando necessário – mas não governa por liminar.

A intervenção do Tribunal evitou que Belo Horizonte entrasse numa espiral de insegurança jurídica com impacto em investimentos, obras estruturais e serviços essenciais. Uma capital não pode ser refém de decisões voluntaristas movidas por agendas eleitorais ou disputas ideológicas.

Não é a primeira vez que setores da política transformam o Judiciário em instrumento de embate e palco simbólico. Mas usar uma ação popular para travar a cidade inteira é algo que escapa à lógica da defesa do interesse público. Na prática, a deputada Duda Salabert criou uma tempestade jurídica que expôs a fragilidade de um ativismo mal calculado.

É legítimo questionar editais, regras, conselhos, decretos. É assim que a democracia funciona. O que não é legítimo é promover um apagão administrativo para derrubar um decreto que pode ser debatido, ajustado, revisto ou questionado sem jogar BH no limbo.

O pior é que todo esse movimento foi vendido como defesa da sociedade civil. Mas sociedade civil nenhuma se beneficia quando obras travam, quando o licenciamento congela, quando o COMAM é esvaziado e quando o Judiciário substitui a política por decisões emergenciais.

Participação social se faz com debate, não com canetada que paralisa a cidade.

Agora, cabe ao Executivo provar que suas mudanças no COMAM foram técnicas e transparentes. Cabe ao Judiciário julgar o mérito com serenidade. E cabe à sociedade civil ocupar seu espaço sem transformar a gestão da cidade numa arena permanente de guerra jurídica. Belo Horizonte está cansada da paralisia. Cansada de soluções mágicas, de discursos inflamados, de remendos improvisados.

A liminar suspensa mostrava um caminho perigoso: o da cidade que vive pulando de liminar em liminar, de manchete em manchete, de disputa política em disputa política, enquanto as enchentes continuam, enquanto o trânsito piora, enquanto obras essenciais deixam de sair do papel.

Ao derrubar a liminar, o presidente do Tribunal não apenas corrigiu um exagero, ele devolveu a BH a chance de funcionar. E isso, para uma capital que precisa urgentemente de obras, previsibilidade e seriedade, vale mais do que qualquer disputa política travada à base do grito.

A cidade agradece. Agora, que cada poder cumpra o seu papel,  e deixe Belo Horizonte seguir em frente.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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