Numa verdadeira democracia, os Poderes da República formam um sistema de freios e contrapesos. Cada um com seu papel, sua fronteira, seu limite. Mas, quando um poder se expande além da sua alçada, o que era equilíbrio institucional vira ameaça à própria liberdade.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é um desses desequilíbrios silenciosos. Usando o argumento de proteger a democracia e promover o combate à desinformação, o STF rasga um dos pilares que garantiam o mínimo de racionalidade no ambiente digital.É o enfraquecimento da democracia por dentro.
O processo legal e a liberdade de expressão
O Artigo 19 estabelece, ou melhor, estabelecia, uma regra simples e civilizatória: plataformas digitais só podiam ser responsabilizadas por conteúdos gerados por terceiros se, após decisão judicial, não os removesse. Essa exigência era um freio contra o voluntarismo, contra o arbítrio das big techs e também contra linchamentos virtuais movidos por má-fé. Garantia segurança jurídica, previsibilidade, respeito ao devido processo legal e, acima de tudo, liberdade de expressão.
Com a decisão do Supremo, esse pacto foi rompido. Agora, as plataformas devem agir por conta própria, sob risco de punição. E o que se chama de “responsabilização proativa” é, na prática, um convite à censura preventiva. Melhor calar do que arriscar. Melhor excluir o que é polêmico do que enfrentar um tribunal. O resultado? Um ambiente onde o medo governa o discurso.
Cada ministro do STF, em sua própria lógica, apresentou um modelo diferente de controle. Nenhum passou pelo Congresso. Nenhum foi submetido ao desejo popular. Pior ainda, alguns ministros ainda sugerem criar conselhos, autarquias ou órgãos de fiscalização. Mecanismos de controle que são sempre usados em estado de exceção.
O STF se coloca acima do Parlamento, ocupando o vácuo legislativo com decisões monocráticas. A toga, quando se imagina iluminista, esquece que não foi feita para escrever leis, e, menos ainda, silenciar o povo em nome do bem.
Se desejamos no Brasil uma verdadeira democracia, precisamos, urgentemente, colocá-la no eixo. A liberdade de expressão é a alma do regime democrático, e não uma concessão condicional à interpretação de onze ministros. É hora do Congresso retomar seu papel. Porque onde o medo impera, o debate morre. E sem debate, não há democracia, só silêncio oficializado.