Por mais que repita com ênfase, em palanques e entrevistas, que ama Minas Gerais, o presidente Lula parece confundir afeto com marketing. Em sua mais recente tentativa de reescrever os fatos, afirmou ter sido ele quem fez o acordo de Mariana. A declaração é politicamente conveniente, mas factual e historicamente incorreta, além de desrespeitosa com a memória dos atingidos e com o esforço institucional de anos.
Vamos aos fatos, com nomes, datas e números.
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ocorreu em 5 de novembro de 2015, durante o governo Dilma Rousseff, correligionária de Lula. Na ocasião, Dilma, acompanhada de um “certo governador de Minas”, sobrevoou o local do desastre, ignorou os atingidos e correu para uma reunião com a diretoria da Samarco.
Em janeiro de 2016, foi firmado o primeiro Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) entre o governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e as mineradoras responsáveis: Vale, Samarco e BHP. O acordo estipulava R$ 20 bilhões em reparações, valor criticado por sua insuficiência e pela ausência de participação das comunidades atingidas.
O que Lula fez em 2024 foi assinar uma repactuação que já vinha sendo costurada entre os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, os governos de Minas e do Espírito Santo e a Advocacia-Geral da União. O novo acordo elevou o valor total para até R$ 132 bilhões, incluindo novas obrigações. Foi, sem dúvida, uma medida importante. Mas chamar isso de “criação” do acordo é tão honesto quanto reformar uma casa e dizer que a construiu.
Mais grave do que a apropriação indevida da história foi o modelo da repactuação: negociado em Brasília, a portas fechadas, com pouca ou nenhuma escuta das comunidades atingidas, como denunciaram representantes de cidades como Naque, Governador Valadares e Barra Longa. A crítica é direta e justa: não se pode reconstruir a vida de alguém sem ouvi-lo. Mas o governo federal ainda parece preferir a lógica do “nós decidimos daqui, vocês agradecem daí”.
No fundo, essa disputa por paternidade revela uma lógica ultrapassada: a de que governar é fazer favores ao povo, quando deveria apenas cumprir obrigações constitucionais. Minas não precisa de padrinhos. Precisa de respeito. E o respeito começa pela verdade.
Lula faz campanha para Rodrigo Pacheco
Na mesma visita a Minas, Lula subiu em um palanque de cerimônia oficial, desta vez em Contagem, para declarar apoio explícito à candidatura do senador Rodrigo Pacheco ao governo do Estado. Onde está a, até então diligente, Justiça Eleitoral que não vê essa irregularidade?
Quando Lula tenta se transformar em importante para Minas, estado que só passou a merecer sua atenção por motivos meramente eleitorais e de popularidade, e ainda por cima reescreve o passado usando os atingidos para capitalizar simpatia em palanque, ele despreza a alma do acordo que diz celebrar.
E quando transforma política pública em ato de campanha, transforma o sofrimento de Minas em capital eleitoral.
Minas quer menos discurso e mais escuta. Menos palco e mais presença. Porque a tragédia não é oportunidade política. É ferida aberta que exige verdade, justiça e reconstrução. Sem maquiagem.