O copo meio cheio da economia

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Essa cidade que se vende ao mundo como a capital dos bares ainda trata esses estabelecimentos como se fossem um problema a ser controlado (Tomaz Silva/Agência Brasil)

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Belo Horizonte é a capital dos bares. Não é exagero, é identidade. Está no DNA urbano, no sotaque da conversa solta no balcão, no tilintar dos copos que celebram encontros e desatam negócios. E, no entanto, essa cidade que se vende ao mundo como a capital dos bares ainda trata esses estabelecimentos como se fossem um problema a ser controlado, um incômodo a ser contido entre leis e carimbos.

Hoje, a Câmara Municipal vai debater novamente os horários de funcionamento dos bares e restaurantes. É um tema recorrente, mas que insiste em ser mal compreendido, porque é debatido sempre a partir do viés do controle, e quase nunca da perspectiva do que esses espaços significam para a economia e para a vida da cidade.

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O que os bares representam para Belo Horizonte

Os bares não são apenas um luxo etílico. São equipamentos econômicos e culturais de primeira ordem. Representam milhares de empregos diretos e indiretos, garçons, cozinheiros, seguranças, fornecedores, músicos, produtores culturais, motoristas de aplicativo. São indutores de turismo e arrecadação, responsáveis por movimentar cadeias inteiras de negócios, do agronegócio ao design. E são, acima de tudo, espaços de convivência democrática, onde ideias se encontram e diferenças se dissolvem ao redor de uma mesa. Quando o poder público regula seus horários como quem corta as asas de um problema urbano, perde-se a chance de pensar grande e de reconhecer sua verdadeira importância.

É claro que o tema não é simples. Há, sim, o legítimo direito ao descanso de quem mora perto de zonas boêmias, a necessidade de regras claras de som e segurança, e a obrigação de combater a desordem que nasce da ausência de fiscalização. Mas o caminho não pode ser a tesoura fácil que encurta o tempo dos bares sem atacar o que realmente importa. Não é o horário que incomoda, é o barulho sem controle, a falta de estrutura urbana, a ausência de fiscalização eficiente. E para isso existem soluções modernas, testadas mundo afora, zonas de convivência noturna planejadas, selos de responsabilidade sonora, incentivos para quem investe em isolamento acústico e campanhas educativas que tratem o espaço público como responsabilidade coletiva.

Qual é o modelo de cidade que queremos? Uma capital viva e criativa, que entende a noite como extensão natural da sua economia e da sua cultura? Ou uma cidade acanhada, que tenta resolver problemas complexos com decretos simplistas? Se Belo Horizonte quiser seguir se orgulhando do título que exibe em feiras e campanhas turísticas, precisa tratar seus bares como parte da solução, não como parte do problema.

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A Câmara Municipal tem diante de si mais do que um debate sobre “até que horas” se pode abrir uma garrafa. Está em jogo o entendimento de que os bares são motores de uma economia criativa que vai muito além da mesa e do copo. Eles são laboratórios de sociabilidade, catalisadores de ideias, vitrines da cultura local. Diminuí-los com canetas e decretos é diminuir a própria cidade. O que Belo Horizonte precisa não é de toque de recolher disfarçado de política pública. É de planejamento urbano inteligente, regras modernas e respeito mútuo, ingredientes de sobra para que o barulho do progresso e da convivência continue ecoando madrugada adentro.

Porque, no fim das contas, uma cidade sem bares vibrantes pode até dormir em paz, mas acorda sem alma.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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