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O voto de Fux, a tensão entre direito e política

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Luiz Sampaio / STF / SCO

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O julgamento da chamada “trama golpista” no Supremo Tribunal Federal produziu, ontem, um episódio raro. Um voto capaz de embaralhar certezas e de obrigar os dois polos da disputa política brasileira a respirar fundo antes de comemorar. O ministro Luiz Fux, historicamente alinhado a uma visão mais punitivista, surpreendeu ao adotar uma leitura garantista, sustentada em teses processuais defendidas por setores expressivos da comunidade jurídica.

O impacto não está apenas no conteúdo, mas no gesto. Fux divergiu do relator Alexandre de Moraes e de Flávio Dino, reconhecendo nulidades preliminares levantadas pelas defesas e traçando um caminho que absolve Jair Bolsonaro e outros acusados, ainda que mantenha a condenação de nomes como Braga Netto e Mauro Cid. Não se trata, portanto, de um voto de absolvição geral, mas de uma peça que redesenha o tabuleiro político e jurídico do processo.

As preliminares e a coerência do direito

Dois pontos merecem destaque. O primeiro diz respeito ao foro privilegiado. Para Fux, já que Bolsonaro não ocupa mais a Presidência e outros acusados também não têm prerrogativa de função, o julgamento deveria ocorrer em primeira instância. O entendimento colide com a decisão anterior do próprio Supremo, que manteve a competência da Corte em março, em um movimento visto como estratégico para concentrar o processo sob a relatoria de Moraes.

O segundo ponto envolve a instância julgadora. Fux considerou que o caso deveria ser apreciado pelo plenário, e não pela Primeira Turma, como determinado por Moraes. Aqui, a divergência toca em questões de forma que têm enorme peso sobre a legitimidade do processo, afinal, não se trata apenas de decidir culpados e inocentes, mas de garantir que a decisão seja incontestável no futuro.

Ao mesmo tempo, Fux manteve a validade da delação de Mauro Cid, aspecto considerado central pela acusação, e condenou o próprio Cid e Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Sua posição, portanto, não foi a de absolver indiscriminadamente, mas de estabelecer um recorte jurídico que, de acordo com sua interpretação, dá consistência ao julgamento.

Até aqui, o resultado é de 2 a 1. Moraes e Dino pela condenação ampla, Fux pela absolvição parcial. A tensão cresce em torno dos votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A expectativa em Brasília é de que a ministra siga a linha do relator, mas há rumores de que possa adotar parte das teses de Fux. Zanin, por sua vez, também é visto como possível adepto de uma solução intermediária.

Um placar de 3 a 2 mudaria completamente o cenário, abrindo espaço para recursos que levem a discussão ao plenário do Supremo. Nesse caso, a composição mais ampla poderia alterar o desfecho, dado o peso dos votos de ministros como André Mendonça e Nunes Marques, já identificados com uma postura mais favorável aos réus.

O voto de Fux revela o quanto o processo foi, até aqui, conduzido de maneira centralizada pela figura de Moraes. Essa concentração, embora tenha acelerado etapas e garantido respostas imediatas, abriu flancos para questionamentos. A divergência exposta agora oferece munição para que defesas insistam na narrativa de que houve personalização do processo.

Politicamente, a decisão trouxe alívio parcial ao entorno de Bolsonaro. Mas a metáfora futebolística ajuda a dimensionar a realidade: é como se o time estivesse perdendo de 2 a 0 e tivesse feito um gol aos 40 do segundo tempo. A esperança de virada existe, mas ainda é frágil.

Mais do que o destino de Bolsonaro e de seus aliados, o que se disputa é a forma como o Supremo será visto ao final do processo. A divergência entre Moraes, Dino e Fux revela que, mesmo dentro da Corte, há leituras distintas sobre até onde se pode ir em nome da defesa da democracia.

Se o julgamento terminasse com uma condenação unânime, a narrativa de que tudo foi conduzido sob medida para punir um lado ganharia força. Se, ao contrário, a divergência se ampliar, o Supremo reforça sua pluralidade, mas também alimenta a incerteza jurídica.

Em qualquer caso, a lição é clara. Nenhum dos lados tem motivos para comemoração plena. A Justiça, quando cumpre sua função, raramente oferece vitórias absolutas. Ela tensiona, divide e, ao fim, procura o equilíbrio, ainda que esse equilíbrio seja desconfortável.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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