O desabafo recente de Babi Cruz, esposa do cantor Arlindo Cruz, trouxe à tona um tema delicado, mas essencial no direito de família: o que acontece quando uma pessoa permanece viva, mas sem qualquer consciência ou capacidade de tomar decisões?
Desde que o artista sofreu um AVC hemorrágico, em 2017, Babi passou a conviver com a ausência emocional e prática do marido, que hoje vive em estado de inconsciência definitiva. Em entrevistas e na biografia “O Sambista Perfeito”, ela revelou o quanto essa condição impactou não só a rotina familiar, mas também a vida afetiva, patrimonial e legal da família.
Esse é um exemplo claro de como o planejamento sucessório pode — e deve — ir além da divisão de bens após a morte. Ele também serve para proteger vontades, direitos e relações enquanto ainda se tem consciência e autonomia.
O que é planejamento sucessório e por que ele é importante?
O planejamento sucessório é o conjunto de ações jurídicas feitas por uma pessoa para organizar a transferência de bens e direitos em caso de falecimento ou incapacidade permanente.
Seu principal objetivo é:
- Evitar conflitos entre herdeiros.
- Reduzir custos com inventário.
- Respeitar as vontades da pessoa incapaz ou falecida.
- Proteger o patrimônio da família.
Muitas famílias enfrentam batalhas judiciais e grandes desgastes emocionais por não terem definido previamente como lidar com essas situações. O caso de Arlindo Cruz é um exemplo de como a ausência de instrumentos preventivos pode deixar os entes queridos em um limbo jurídico.
O papel do testamento vital no planejamento sucessório
Um dos instrumentos mais poderosos — e ainda pouco conhecido — dentro do planejamento sucessório é o testamento vital.
Também chamado de declaração antecipada de vontade, ele permite que uma pessoa registre, de forma legal, como deseja ser tratada caso perca a capacidade de se comunicar ou de tomar decisões por conta própria, em razão de doença grave, degenerativa ou invalidez permanente.
Com ele, é possível:
- Recusar tratamentos invasivos ou fúteis.
- Indicar um procurador para decidir sobre cuidados médicos.
- Garantir que sua dignidade seja respeitada mesmo em fim de vida.
- Evitar que familiares enfrentem disputas sobre decisões delicadas.
Trata-se de um documento que oferece segurança jurídica e emocional tanto para quem parte quanto para quem fica.
O limbo legal das famílias em casos de inconsciência definitiva
Quando uma pessoa perde a consciência de forma irreversível, mas não falece, a família entra em um espaço não previsto claramente pela lei. Babi Cruz destacou isso com precisão: “não sou separada, viúva ou solteira. Tenho um marido com diagnóstico de inconsciência definitiva, e esse estado civil não existe na lei”.
Além disso, ela cita um caso em que um homem, cuja esposa está inconsciente há 13 anos, não consegue registrar a filha com a nova companheira, por depender de uma autorização que a esposa não pode mais dar. Tudo isso poderia ser evitado com instrumentos jurídicos preventivos, como a curatela, mandatos duradouros e o próprio testamento vital.
Planejar é um ato de amor e responsabilidade
Muita gente ainda associa o planejamento sucessório a pessoas muito ricas ou à partilha de bens. Mas a verdade é que ele está ao alcance de todos e deve ser considerado por qualquer pessoa que queira:
- Proteger sua família.
- Evitar conflitos.
- Manter sua vontade respeitada.
- Organizar a própria despedida de forma digna.
O planejamento sucessório é, antes de tudo, um ato de cuidado — com a própria história e com aqueles que mais amamos.
Conclusão: a prevenção é o melhor caminho
O caso de Arlindo Cruz nos emociona, mas também nos alerta: não podemos deixar o futuro ao acaso. Falar sobre incapacidade, doenças e morte ainda é tabu, mas ignorar esse tema traz consequências jurídicas e emocionais ainda mais dolorosas.
Como advogada de família, reforço: a prevenção no direito é uma poderosa forma de cuidado. E o momento de começar é agora — com consciência, orientação e sensibilidade.