Por mais que se tente justificar os arroubos verbais do presidente Lula pelo seu “jeito popular de falar”, o que se escancara cada vez mais é o desalinhamento entre fala e ação e, pior, entre fala e razão. A verborragia do chefe de Estado já ultrapassou há tempos os limites do folclore político. O que antes era visto por alguns como traço carismático, hoje soa como sinal de descompasso, senilidade ou, mais preocupante, uma amostra genuína do caráter que guia — ou desorienta — o Planalto.
Lula parece viver em dois mundos: no primeiro, é o enviado divino que veio resolver os problemas do Nordeste com obras d’água e discursos de fé; no segundo, um autodeclarado gênio político que desdenha especialistas, menospreza o contraditório e tropeça nas próprias frases, seja escorregando para o racismo velado, seja caindo na misoginia explícita. As palavras saem com a leveza de quem não responde a ninguém, nem à lógica, nem à liturgia do cargo.
Essa leveza, no entanto, tem se chocado com a realidade que o presidente tenta manipular à base de comparações distorcidas. Em recente fala, na manhã de ontem, sobre o aumento do IOF, Lula culpava o Senado pela renúncia fiscal decorrente da desoneração da folha de pagamento. “Aprovam tudo quanto é desoneração, depois querem milagre no orçamento. Não dá!”, disse ele.
O problema é que a mesma desoneração foi usada no governo de Dilma, sua seguidora e sucessora, e lá não foi criticada por Lula nem por seu partido. Além disso, a desoneração que agora vigora foi sancionada por seu próprio governo, após pressão do Congresso, e o impacto fiscal da medida em 2024 supera R$ 10 bilhões.
No mesmo tom acusatório, Lula afirmou que o escândalo das fraudes no INSS, que pode alcançar cifras de R$ 6,3 bilhões, “é culpa da falta de governança deixada pelo governo passado”, referindo-se à gestão Bolsonaro. “Não tinha controle, não tinha auditoria. Era um liberou geral com dinheiro público”, declarou. Mas omite que as fraudes cresceram justamente durante os dois primeiros anos de sua atual gestão, foram quadruplicadas, com rombos sendo identificados por mecanismos que seu próprio governo, até agora, falhou em aperfeiçoar.
A ausência de políticas transformadoras
Mas talvez o mais grave não esteja no que se diz, e sim no que se deixa de fazer. Entre uma bravata e outra, não se anunciam decisões estratégicas. O país segue com déficits gêmeos, as nossas torres: o fiscal e o de comando. A economia patina, a reforma tributária vai perdendo musculatura a cada lobby atendido, e o “novo PAC” virou um amontoado de promessas recicladas.
Seu populismo de palco não convence mais. A plateia mudou, e a crise, que ele nega, ridiculariza ou ignora, segue firme.
Lula não precisa de opositores ruidosos: a sua língua já faz esse papel com notável eficiência. E cada frase solta sem freio não apenas compromete sua imagem, mas mina a autoridade do governo como um todo. O silêncio prudente, que tanto falta em seus discursos, talvez fizesse mais pelo país do que esse festival de declarações que beiram o delírio.
É hora de parar de se esconder atrás da retórica e começar a governar. Isso, se ainda houver disposição e condições para isso.