A verborragia presidencial e o preço da ausência de rumo

Siga no

Lula não precisa de opositores ruidosos: a sua língua já faz esse papel com notável eficiência (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Compartilhar matéria

Por mais que se tente justificar os arroubos verbais do presidente Lula pelo seu “jeito popular de falar”, o que se escancara cada vez mais é o desalinhamento entre fala e ação e, pior, entre fala e razão. A verborragia do chefe de Estado já ultrapassou há tempos os limites do folclore político. O que antes era visto por alguns como traço carismático, hoje soa como sinal de descompasso, senilidade ou, mais preocupante, uma amostra genuína do caráter que guia — ou desorienta — o Planalto.

Lula parece viver em dois mundos: no primeiro, é o enviado divino que veio resolver os problemas do Nordeste com obras d’água e discursos de fé; no segundo, um autodeclarado gênio político que desdenha especialistas, menospreza o contraditório e tropeça nas próprias frases, seja escorregando para o racismo velado, seja caindo na misoginia explícita. As palavras saem com a leveza de quem não responde a ninguém, nem à lógica, nem à liturgia do cargo.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Essa leveza, no entanto, tem se chocado com a realidade que o presidente tenta manipular à base de comparações distorcidas. Em recente fala, na manhã de ontem, sobre o aumento do IOF, Lula culpava o Senado pela renúncia fiscal decorrente da desoneração da folha de pagamento. “Aprovam tudo quanto é desoneração, depois querem milagre no orçamento. Não dá!”, disse ele.

O problema é que a mesma desoneração foi usada no governo de Dilma, sua seguidora e sucessora, e lá não foi criticada por Lula nem por seu partido. Além disso, a desoneração que agora vigora foi sancionada por seu próprio governo, após pressão do Congresso, e o impacto fiscal da medida em 2024 supera R$ 10 bilhões.

No mesmo tom acusatório, Lula afirmou que o escândalo das fraudes no INSS, que pode alcançar cifras de R$ 6,3 bilhões, “é culpa da falta de governança deixada pelo governo passado”, referindo-se à gestão Bolsonaro. “Não tinha controle, não tinha auditoria. Era um liberou geral com dinheiro público”, declarou. Mas omite que as fraudes cresceram justamente durante os dois primeiros anos de sua atual gestão, foram quadruplicadas, com rombos sendo identificados por mecanismos que seu próprio governo, até agora, falhou em aperfeiçoar.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

A ausência de políticas transformadoras

Mas talvez o mais grave não esteja no que se diz, e sim no que se deixa de fazer. Entre uma bravata e outra, não se anunciam decisões estratégicas. O país segue com déficits gêmeos, as nossas torres: o fiscal e o de comando. A economia patina, a reforma tributária vai perdendo musculatura a cada lobby atendido, e o “novo PAC” virou um amontoado de promessas recicladas.

Seu populismo de palco não convence mais. A plateia mudou, e a crise, que ele nega, ridiculariza ou ignora, segue firme.

Lula não precisa de opositores ruidosos: a sua língua já faz esse papel com notável eficiência. E cada frase solta sem freio não apenas compromete sua imagem, mas mina a autoridade do governo como um todo. O silêncio prudente, que tanto falta em seus discursos, talvez fizesse mais pelo país do que esse festival de declarações que beiram o delírio.

É hora de parar de se esconder atrás da retórica e começar a governar. Isso, se ainda houver disposição e condições para isso.

Compartilhar matéria

Siga no

Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

Webstories

Mais de Entretenimento

Mais de Colunistas

Governo federal cobra prazo, mas não entrega as condições

STF impõe prazo de 90 dias para redução de incentivo a exportadores

Censura sob medida: o perigo de escolher quem pode ofender

Dia mundial do Meio Ambiente: hora de agir

Reforma do Código Civil: o remédio mais caro que a doença

Conta de luz mais cara em junho: o que está por trás da bandeira vermelha e como se proteger

Últimas notícias

Por unanimidade, STF nega recurso e mantém condenação de Zambelli

Róger Guedes admite sondagem do Cruzeiro, mas prioriza Corinthians em possível retorno ao Brasil

Novas marcas de azeite são desclassificadas pelo governo por fraude

Moraes nega pedido de Bolsonaro para adiar ação sobre suposta trama golpista

A cozinha do Matula 98 recebe o ‘Espetinhos do Paulão’, campeão do Comida di Buteco

Guns N’ Roses volta ao Brasil em nova turnê e surpreende fãs

PBH oferece 330 vagas de estágio com bolsa de até R$ 1,8 mil

Lula diz querer dinheiro ‘na mão do povo’ e não sob o controle dos bancos

José Loreto será Chorão em cinebiografia do Charlie Brown Jr.