O novo projeto de Donald Trump, apelidado de “Big Beautiful Act”, promete ampliar significativamente o déficit dos Estados Unidos nos próximos anos.
A proposta, que tem entre seus principais pontos a redução de tributos e subsídios ambientais, deve elevar o déficit norte-americano em cerca de US$ 3,3 trilhões até 2034, de acordo com estimativas preliminares — um trilhão a mais que a versão anterior aprovada pela Câmara, que já previa um aumento de US$ 2,4 trilhões.
O tema foi debatido pelo economista Izak Carlos na 98 News nesta quinta-feira (3/7). Ele discutiu as implicações fiscais do projeto, o impacto sobre a economia norte-americana e os possíveis reflexos no câmbio e nos juros globais.
Risco fiscal e impacto no dólar
Segundo Izak, a proposta de Trump agrava o risco fiscal dos EUA, o que já começa a ser precificado pelo mercado com a desvalorização do dólar frente a outras moedas.
“O risco deles aumenta consideravelmente porque eles têm mais dívida. Mais dívida vai significar mais juros para rolagem dessa dívida, e nós estamos vendo esse movimento refletir no dólar”, destacou.
“O dólar caiu frente às demais moedas ao longo do primeiro semestre, e isso acontece por conta do risco fiscal maior que eles estão tomando. E de risco fiscal a gente entende bem no Brasil, né?”, pontuou o economista.
Para o economista, a estratégia do governo norte-americano pode ser classificada como um “tiro no pé”.
“Aumento de déficit vai significar mais dinheiro na economia, vai significar ativação do gasto e renda, mais inflação numa economia que já está aquecida. E também maior risco fiscal, o que significa abertura dos juros futuros longos, maior prêmio de risco. Economia não tem alquimia. Esse dinheiro vai ter que sair de algum lugar em algum momento”, afirmou.
Pressão sobre os juros e desaceleração econômica
O especialista explicou que o aumento do déficit implica na necessidade de elevar os juros para atrair financiadores. “Precificação de mais risco exige cada vez mais juros. E isso significa uma atividade econômica cada vez mais fraca”.
Ele ilustrou o cenário com uma explicação didática:
“Você me deve 100 e não me pagou. Vai me pagar lá em dezembro e me pede mais 100 de volta. Pensando que você já não me pagou, eu vou cobrar os meus 10% de juros? Ah, não, amigo. Agora você me paga 12% ao ano em vez de 10%. Toda vez que você aumenta o seu déficit, você exige mais prêmio de risco”, exemplificou.
Com a elevação dos juros de longo prazo, os efeitos tendem a ser similares aos que já são observados em outras economias.
“Quanto maior o juro, mais eu impacto atividade econômica, menos crescimento eu tenho. Se a economia cresce menos, o dólar perde poder de compra porque as pessoas vão procurar outros ativos e outras oportunidades”, explicou Isaac Carlos.
Incentivos e subsídios: contradições na política energética
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é a redução de incentivos para a produção de carros elétricos, medida que causou atrito entre Trump e Elon Musk, fundador da Tesla — atualmente a única empresa norte-americana entre as 10 maiores do mundo no setor automotivo.
“Eles estão cortando incentivos de energias mais limpas e estão reduzindo a tributação de outros setores que às vezes são mais poluentes. O pano de fundo disso tudo é o cenário fiscal e o aumento do déficit”, observou Izak.
Segundo o economista, as políticas públicas nos Estados Unidos precisam de mais coerência. “Não adianta você subir imposto de importação e querer dar subsídio internamente. Você está secando gelo. As políticas estão desconectadas”, criticou.
Izak também fez um paralelo com o Brasil, onde a matriz energética é mais limpa e, portanto, na sua visão, já não justificaria novos subsídios para energia solar.
“Nós temos um problema ao contrário agora, que é de excesso de energia renovável gerada e intermitente. O mercado já é rentável, já é grande, é sustentável, todo mundo já viu que dá certo. É diferente do cenário deles”.
Tributação dos super ricos: solução ou utopia?
Outro ponto debatido foi a proposta do presidente Lula sobre a taxação dos super ricos, especialmente no contexto de redução de benefícios fiscais para camadas mais altas da população e isenções para quem ganha menos.
“Se fosse factível taxar os bilionários… ninguém é contra. O problema é que é muito difícil fazer isso”, argumentou Izak, ao lembrar que esse tipo de taxação frequentemente leva à evasão fiscal.
Segundo ele, a mudança de domicílio fiscal é uma prática comum. “O Brasil, este ano, é o país que mais perdeu bilionários no mundo. Eles deixaram de existir? Não, mudaram o domicílio fiscal”.
Izak defende que, mais do que combater a desigualdade, o foco deveria estar na elevação do nível de renda.
“Eu não avalio que existe um grande problema em sermos desiguais, se todo mundo tiver uma renda básica mínima. O problema é ser pobre, não ser desigual. A concentração é uma tendência natural do sistema capitalista e o problema não é o lucro do Bezos, por exemplo, é se a pessoa não tem outra alternativa de trabalho.”
“Lucro é sinônimo de eficiência. Não me parece justo comparar o que eu recebo com o que o dono de uma empresa lucra. As coisas não têm relação”, completou.
Discussão sobre trabalho e precarização
O economista também abordou as críticas à precarização do trabalho em empresas de tecnologia e plataformas digitais. Para ele, há equívocos conceituais nesse debate.
“Nós falamos sobre precarização do trabalho quando os trabalhadores escolheram aquele tipo de trabalho. Se o entregador de aplicativo preferisse trabalhar com carteira assinada, ele teria essa opção. O problema não é o lucro da empresa. As pessoas são livres para executar outras atividades”, defendeu.