Uma estátua de bronze e um insulto à inteligência coletiva

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O ex-vice-prefeito Álvaro Antônio será o próximo homenageado com um busto na capital mineira (Foto: Adão de Souza / PBH)

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Enquanto hospitais públicos agonizam por falta de insumos, escolas enfrentam goteiras e o transporte coletivo de Belo Horizonte afunda em sua própria ineficiência, a Câmara Municipal decide que o melhor uso para R$ 193 mil é imortalizar em bronze um ex-vice-prefeito com trajetória absolutamente esquecível para a cidade. Sim, caro leitor: quase duzentos mil reais do seu bolso para uma estátua.

Trata-se de Álvaro Antônio, político de carreira, pai e avô de outros políticos, e com um histórico mais familiar do que administrativo. Foi vereador, deputado, secretário no governo Tancredo e vice-prefeito entre 1985 e 1988, época em que a cidade carecia de muito, como hoje, e recebeu pouco. Nada contra memórias. Tudo contra a sua instrumentalização como moeda de vaidade e pedigree.

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A escultura será feita pela Fundição Artística Ana Vladia, empresa que provavelmente entregará uma bela peça. Mas nem Michelangelo justificaria esse gasto em uma capital que fecha leitos de hospital e terceiriza assistência social com ONGs suspeitas.

É de um simbolismo cínico: enquanto a população se espreme em ônibus lotados e fila por consulta, a elite política ergue monumentos para si mesma. Não bastasse o nepotismo já escancarado nas dinastias que se perpetuam nas urnas, agora temos também o nepotismo de mármore e bronze. A escultura é menos uma homenagem e mais um outdoor de campanha travestido de arte.

Não se trata de questionar se Álvaro Antônio foi ou não um bom político. Trata-se de perguntar: qual é a prioridade de uma cidade com 2,5 milhões de habitantes e tantos problemas urgentes? Quem decide que é hora de esculpir o passado, quando o presente está desfigurado?

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R$ 193 mil dariam para custear um mutirão de cirurgias oftalmológicas. Dariam para bancar bolsas de estudo, capacitação de professores, manutenção de semáforos, de praças. Mas não, vão para a eternização de um nome, que, se fosse realmente memorável, não precisaria de estátua.

Homenagens públicas devem nascer do clamor popular, não de acordos de bastidor. E o poder público precisa de memória, sim, mas mais ainda de vergonha na cara.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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