Uma tecnologia que já ajudou a revitalizar o Rio Pinheiros, em São Paulo, e o Córrego Joana, no Rio de Janeiro, pode ser a próxima aposta para limpar a Lagoa da Pampulha, um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte. A técnica consiste em injetar oxigênio na água, estimulando bactérias a consumir a matéria orgânica acumulada. Quem explica como funciona e quais são os desafios para recuperar a lagoa é a bióloga e professora do Unibh, Fernanda Raggi. Ela falou sobre o assunto em entrevista na 98 News nesta quinta-feira (14/8).
Como funciona a oxigenação artificial
Fernanda considera positiva a iniciativa e detalha a lógica do processo. “Eu também achei muito bacana o pessoal trazer isso para a Lagoa da Pampulha, porque não vai ser uma reação imediata, mas vai ser uma reação que vai ter que acontecer de tempos em tempos. A gente viu semana passada que a Lagoa da Pampulha estava sendo limpa de alguma forma”, explica.
“O pessoal estava retirando dali de dentro o que a gente chama de matéria orgânica, que é o que fica ali — lixo, às vezes folha morta, lixo que vem de algum esgoto clandestino — e tudo que a gente chama de orgânico é aquilo que as bactérias podem se alimentar”, continua.
“Só que como a Lagoa da Pampulha não tem uma corrente de água, ela é uma lagoa ‘lentic’, que a gente chama, uma lagoa parada, em muitos casos o oxigênio fica todo preso ali embaixo na água. Então os animais e as bactérias têm que disputar aquele oxigênio que está ali. Essas bactérias, que estão ali, a gente chama de bactérias aeróbicas. Para elas se alimentarem e crescerem, elas precisam do oxigênio. Na medida em que a gente injeta esse oxigênio na lagoa, a gente está dando para elas uma informação: ‘Olha, você pode comer e pode crescer’.”
Segundo a bióloga, o método simula artificialmente um ciclo natural, favorecendo o consumo da poluição dissolvida. “Com esse oxigênio, elas vão ser estimuladas a comer toda a matéria orgânica que ainda tiver ali dissolvida na água e vão limpar de forma natural. A gente está introduzindo um sistema artificial que seria o normal dentro da natureza. Ecologicamente, estamos estimulando um sistema a funcionar de maneira artificial”.
Ciclo de ação e equilíbrio ecológico
A especialista afirma que o processo não provoca mau cheiro nem desequilíbrio a longo prazo. “Ah, Fernanda, mas aí é que está: essas bactérias vão comer essa matéria orgânica, vão crescer e vai ficar aquele cheiro podre de novo? Não vai. Porque, com o tempo, esse oxigênio vai sendo todo conduzido ali no fundo”, relata.
“A gente chama de demanda biológica de oxigênio, que é o oxigênio que os animais e micro-organismos precisam. Como ele vai ser todo consumido ali e os animais, as bactérias e as plantas vão disputar, com o tempo não vai ter mais bactéria do que oxigênio. Isso tudo muito rápido, em questão de segundos. Então, uma grande parte dessas bactérias vai morrer e grande parte vai ficar. Essas que morrerem vão se decompor de forma natural e, dessa forma, conseguimos limpar a poluição dissolvida na lagoa e, ao mesmo tempo, equilibrar o ambiente como estaria na natureza.”
Combinação com as ‘caravelas’ da Pampulha
Fernanda lembra que a oxigenação virá somar-se a outra ação já em andamento: os barquinhos azuis, conhecidos como caravelas. “O que vimos na Lagoa foi limpeza física, retirando o que se conseguia pegar. Mas há componentes da poluição — sabonete, shampoo, óleo de cozinha — que se dissolvem e só essas bactérias conseguem consumir”, relata.
“As caravelas têm dentro bactérias e microalgas naturais da própria lagoa. A ecologia dentro dessas caravelas faz com que essas colônias cresçam. Quando há morte de bactérias no processo de oxigenação, as caravelas estimulam a produção de mais bactérias e algas próprias dali. Assim, não vêm micro-organismos de fora. A oxigenação dá o estímulo: ‘Estou te dando oxigênio e comida. Pode se alimentar e pode crescer’. Parte morre quando falta oxigênio, parte fica, e o equilíbrio volta. Com isso, reduzem-se cheiro, turbidez e substâncias não naturais.”
Situação atual da água e possibilidade de uso turístico
Questionada sobre a chance de a Pampulha voltar a ter água própria para esportes náuticos, Fernanda pondera. “Hoje, a prefeitura classifica a água no nível 3 — que até permite certo uso, mas exige tratamento mais aprofundado. Pela Política Nacional de Recursos Hídricos, ela está na classe 2, que exige tratamento biológico e físico-químico para uso”, explica.
“Na década de 60, tínhamos campeonatos de esportes náuticos aqui. Hoje, vemos pesca e até gente nadando, mas a classe 3 significa nível altíssimo de micro-organismos como coliformes totais e fecais, nocivos à saúde. Peixes acumulam esses microrganismos e outras substâncias na carne e na pele. Consumir é arriscado.”
Ela acrescenta que, em 2023, a lagoa chegou a atingir classe 2, mas ainda apresentava excesso de compostos como nitrato, nitrito e enxofre. “Para esportes náuticos, precisa chegar à classe 1. Não será imediato. Essa é a primeira etapa que vemos funcionar, mas precisamos de disciplina dos cidadãos, atuação constante dos órgãos públicos e da Copasa, principalmente no combate a ligações clandestinas. Pode acontecer? Pode. Mas, tecnicamente, acredito que não de forma imediata. Estamos no caminho.”
Expectativas e próximos passos
Para a bióloga, a junção da oxigenação com outras soluções naturais é promissora. “Chamamos isso de soluções baseadas na natureza. É muito comum no mundo e está vindo com força no Brasil. Quando vi as caravelas, houve crítica nas redes, até porque coincidiu com uma frente fria que matou peixes. Mas já houve recuperação. Temos visto mais peixes, aves e movimento de animais”, conta.
“Agora, com a oxigenação, que foi bem-sucedida no Rio Pinheiros e no Tietê, acredito que, se fizer um piloto e tudo der certo, injetando oxigênio, observando reação de animais e micro-organismos e analisando a água, poderemos ter bons resultados. Não é um estudo tão demorado, mas também não é imediato. A princípio, é uma boa resposta e uma ideia bacana, sim.”