‘O tabu não nos ajuda em nada’: falando de sexualidade com crianças e adolescentes

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O psicanalista Eduardo Lucas Andrade explica por que o tabu atrapalha e como o diálogo pode ser um caminho de proteção (IMAGEM ILUSTRATIVA/Marcello Casal Jr/EBC)

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Falar de sexualidade com crianças e adolescentes ainda é visto como um desafio. Muitos adultos associam automaticamente o termo ao ato sexual, deixando de lado que se trata de um conceito mais amplo ligado ao prazer, à descoberta e ao desenvolvimento humano. O psicanalista Eduardo Lucas Andrade explica por que o tabu atrapalha e como o diálogo pode ser um caminho de proteção.

Sexualidade além do ato sexual

Na visão do especialista, é preciso primeiro desfazer a confusão entre sexualidade e sexo. “Você tem uma coisa que não ajuda em nada, é o tal do tabu. É tanto na questão da sexualidade, quanto na questão da morte. O tabu não nos ajuda em nada”, diz.

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“O que seria a sexualidade? Para psicanálise, a sexualidade é tudo isso que me dá conexão de prazer. Eu estar aqui falando, podendo contribuir talvez de algum modo, para mim é prazeroso, para mim isso é sexualidade”, explica Eduardo. “Que não substitui a sexualidade, por exemplo, de quando eu tô numa rede descansando. Que não substitui a sexualidade de quando eu tô comendo algo que eu gosto muito. Que não substitui a sexualidade também do campo do ato sexual em si”, continua.

O especialista afirma que a sexualidade vai além dos atos sexuais. “Então, a sexualidade é uma dimensão de conexões de prazeres, onde as pessoas vão se encontrando e ali elas vão satisfazendo um pouco da energia que nos habita. Isso é sexualidade.”

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O problema do tabu

Segundo Eduardo, o tabu reduz a sexualidade apenas ao sexo e leva a uma resposta repressiva. “O que fazem é colocar isso como tabu, porque aí eles vão colocando sempre no ato sexual em si, como se fosse um lugar de tudo que é sexualidade é transa e a sua relação sexual em si e não. Não é”, diz.

“Então a criança ela vai descobrindo a sexualidade dela com várias fases. Vai ter uma fase inclusive que ela vai ficar curiosa de saber o que que tem debaixo da roupa do outro e faz parte do desenvolvimento. Aí o grande ponto é que no tabu vão ir para repressão. Ao invés de ir pela responsabilização e educação. Porque primeiro você tem que educar, depois você responsabiliza”, pondera.

“Se você só pune, você não prepara ninguém a nada. Pelo contrário, você deixa uma lacuna de desamparo”.

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Adultos desamparados

Para o psicanalista, muitas vezes o próprio adulto não consegue lidar com essas questões e transfere esse vazio para a criança. “O desamparo do adulto passa para a criança. Porque muitas vezes esse adulto não consegue se amparar à frente àquele tabu, porque para ele é uma dificuldade”, afirma.

“E aí ele já fica sem lugar. Ele fica sem jeito, ele não dá conta de trabalhar aquilo, não dá conta de falar e muitas vezes nem recorre a materiais que a criança pode acessar, que pode explicar e ajudar.”

Ele lembra que há materiais disponíveis que podem ajudar famílias e educadores. “A gente tem ótimos materiais sobre isso, né? Pipo e Fifi, da Carolina Arcari, que trabalha sobre a questão de abuso sexual infantil com a literatura que pode ser lida para bebês, pode ser lida para crianças. Tem os dois livros dela, estão no site. É um material super disponível, super sério, super necessário. Então, ele educa e depois pode se responsabilizar, diferente de só punir.”

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Eduardo alerta que o silêncio abre espaço para que crianças procurem respostas sozinhas, principalmente na internet. “Quando a coisa se torna um tabu, porque a dimensão do adulto é gigante, você desanda e gera uma confusão. E essa confusão gera desamparo na criança, que ela não vai ter nem onde falar disso mais”, conta.

“E quando a gente não fala disso que tá me perturbando, eu vou pesquisar em algum lugar. Muitas vezes, eu pesquiso na internet. “A criança pesquisa na internet, aí ela joga lá: ‘O que é sexo? O que é relação sexual? O que é transa?’ O algoritmo vai entender o quê? Precisa de mais informações sobre isso, mas não vai dar só a informação. Vai dar também links, vai dar um monte de coisa, mas muito em função do adulto que não conversou sobre o assunto que chegou até ele”, afirma.

Por isso, a conversa precisa começar em casa. “Conversar sobre o assunto é perguntar à criança: ‘Onde você ouviu falar disso? Como é que você ouviu? O que é que você acha?’ Aí você capta o que a criança já absorveu daquilo e aí você orienta. Aí você contorna, aí você explica. Aí você prepara.”

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Limite com cuidado

O psicanalista observa que a curiosidade faz parte do desenvolvimento infantil e que cabe ao adulto colocar limites com cuidado, não com crueldade. “Essa curiosidade sexual vai atravessar a criança em vários aspectos. A curiosidade sexual de se querer saber o que que é aquilo, posso mexer ou não, colocar o dedo, desde pequenininho, colocar o dedo na tomada e tirar, porque ela vai demandar que esse outro realmente cuide”.

“Porque se isso é perigoso, eu não posso e você está cuidando de mim, então se você deixar eu pôr o dedo na tomada, você não está cuidando de mim. Então deixa eu testar se você está cuidando de mim mesmo”, afirma.

“Aí vai pedindo um limite ali, mas não é o limite da crueldade. Crueldade não é limite. Crueldade é crueldade. É o limite de até aqui sim, daqui para lá não, justamente por isso. Então é o não com o contexto, não é o não pelo não. O tabu vem com o não pelo não.”

Tabu, morte e suicídio infantil

O silêncio também atinge outros temas, como a morte, e pode estar relacionado a casos de suicídio infantil.
“Aí a gente tem um grande problema de suicídio infantil, que quase não se fala disso, justamente pelo tabu que já é a morte na nossa sociedade, pelo tabu que o suicídio também já é e principalmente porque pressupõe que criança não sofre. Então criança não vai trazer. E o suicídio muitas vezes em crianças é a falta de orientação sobre a morte. Você vira para criança e fala: ‘Se você fizer isso você morre’. Mas ninguém explica o que é morrer”.

“Que que é a morte? Que que essa criança faz? Se eu fizer isso eu morro, eu não sei o que é morrer, deixa eu fazer para ver o que que é morrer. E ela vai fazer porque não tem orientação, não teve educação, não teve preparação, não teve nada que pudesse falar daquilo e preservá-la”, explica.

Ele cita o caso de uma criança que pensou em tirar a própria vida para reencontrar o pai falecido. “Essa mãe escutou, essa mãe orientou, essa mãe encaminhou, essa criança tá aí. Poderia não estar mais, porque se tivesse só falando que morte é morte, a criança vai querer saber o que é.”

Falar é cuidar

Para Eduardo, enfrentar o tabu é uma forma de cuidado com a infância. “Fazer o trabalho de educação sexual, de falar sobre morte com crianças, de abordar temas difíceis, é super necessário se a gente tá realmente falando de cuidado. Fazer o lugar do tabu de não falar sobre isso é desamparar a criança porque isso fala nela”, finaliza.

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Roberth R Costa

Atuo há quase 13 anos com jornalismo digital. Coordenador Multimídia. Rede 98 | 98 News

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