Os atos realizados neste domingo em diversas capitais brasileiras contra a chamada “PEC da Blindagem” e o PL da Anistia, mostraram um país em alerta.
O que se discute não é apenas uma disputa entre Congresso e Judiciário, mas a essência da democracia: todos são iguais perante a lei ou existem castas políticas imunes à responsabilização?
A “blindagem” busca restringir a atuação do Supremo Tribunal Federal, exigindo aval do Legislativo para investigar parlamentares. Já a anistia, em sua forma ampla, pretende apagar responsabilizações de crimes julgados.
Em conjunto, essas iniciativas representam um movimento perigoso: o de transformar privilégios em norma e de relativizar a lei.
Não que não seja necessário discutir-se o equilíbrio da relação entre poderes, tão desgarçado no país. Nem que os exageros persecutórios de uma Suprema Corte autoritária não devam ser limitados por uma ação do Senado.
Porém, nenhuma democracia madura convive bem com regras feitas sob medida para proteger alguns. O discurso de defesa das prerrogativas parlamentares soa nobre, mas esconde a tentativa de esvaziar instrumentos de controle.
Ao limitar o poder de investigação e perdoar transgressões, o Congresso arrisca corroer a confiança da sociedade na própria ideia de justiça. O recado seria devastador: para os poderosos, a lei é flexível; para o cidadão comum, ela é de ferro.
É justamente contra esse desequilíbrio que os atos de domingo ganham dimensão. Milhares de pessoas se reuniram para dizer não a um pacto de impunidade. Mais do que manifestações pontuais, essas mobilizações mostram que a sociedade acompanha o tema e está disposta a defender o princípio mais básico da vida republicana: ninguém está acima da lei.
As ruas funcionam como termômetro e como freio. Parlamentares, mesmo blindados em gabinetes, sabem que a pressão popular pode custar caro no futuro.
O jogo político
A tramitação dessas propostas revela o quanto o sistema político brasileiro ainda é vulnerável à lógica da autopreservação. Em vez de discutir projetos para saúde, educação, segurança ou desenvolvimento, parte do Congresso gasta energia para redesenhar regras que garantam proteção a si próprio.
Essa inversão de prioridades é mais do que um erro: é um sintoma de crise. Quando o Parlamento legisla para se proteger, desvia-se da função maior de representar a sociedade. O efeito prático é o aumento da distância entre cidadãos e instituições.
A institucionalização da ideia de que transgredir compensa, pois sempre haverá perdão negociado, é um precedente que enfraquece qualquer democracia.
Por isso, os atos nas ruas não podem ser vistos apenas como protestos. Eles lembram ao Congresso que democracia não se sustenta em plenários isolados, mas no compromisso público de todos os poderes com a responsabilidade e a transparência. O Brasil vive uma encruzilhada. De um lado, propostas que empurram o país para a impunidade institucionalizada. De outro, uma sociedade que mostra disposição para defender a igualdade perante a lei.
Os próximos capítulos dependerão da capacidade de transformar essa energia das ruas em pressão contínua e consciente.
Porque democracia não se defende apenas com discursos: exige vigilância, participação e a lembrança permanente de que a soberania, no fim das contas, é única e exclusivamente a auto determinação de um povo.