Uma pesquisa do Observatório Febraban revelou que a maioria dos brasileiros admite entender pouco ou nada sobre educação financeira. Para Rogério Corgozinho, gerente da unidade de desenvolvimento territorial e serviços financeiros do Sebrae Minas, essa realidade é reflexo de décadas de instabilidade econômica, juros altos e ausência de políticas públicas efetivas de letramento financeiro.
Rogério explica que existem justificativas históricas para tal realidade. Ele falou sobre o assunto em entrevista na 98 News, nesta quarta-feira (23/7).
“O Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, enfrentou inflações altíssimas, o que comprometia o planejamento financeiro de médio prazo de uma família. Uma vez que os preços a cada dia aumentavam em proporções tão grandes, isso impedia o planejamento. Então, desde essa época, já era muito difícil para o brasileiro planejar.”
Corgozinho acrescenta que o problema se agravou com o tempo. “Temos também a própria questão das taxas de juros altíssimas no Brasil, justificadas por fatores macroeconômicos. E, quando a gente olha para todos os agentes da economia — pessoas, famílias, empresas, governo —, percebemos que a falta de planejamento financeiro permeia toda a sociedade há várias décadas.”
Endividamento e bola de neve
Segundo a pesquisa, 39% da população está endividada e 23% projetam aumento das dívidas até o fim de 2025. Para o gerente do Sebrae, há um fator estrutural que precisa ser enfrentado.
“A produtividade do trabalho no Brasil se estagnou há várias décadas. Isso reduz a massa salarial, o valor do salário médio brasileiro, o que espreme ainda mais a receita mensal da família. É urgente que políticas e iniciativas dos setores público e privado promovam o aumento da produtividade da mão de obra no Brasil e, assim, aumentem a renda.”
Mesmo assim, ele ressalta que a falta de educação financeira afeta todas as faixas de renda: “Ela afeta pessoas com baixa renda e também com altíssima renda. A pesquisa mostra que várias pessoas fazem empréstimos para complementar a renda e, se não houver planejamento, aquilo que poderia ajudar pode piorar ainda mais a situação.”
“As altas taxas de juros dificultam ainda mais o cumprimento dos compromissos. A chave de tudo é a educação financeira e, em seguida, trabalhar a questão do planejamento financeiro entre as famílias.”
Pressão do consumo e o risco do crédito fácil
Corgozinho alerta para o impacto do consumo digital no descontrole financeiro das famílias.
“O consumidor, a todo momento, recebe mensagens de produtos. É um mercado muito voraz, presente na tela do celular quando a pessoa acorda e na hora de dormir. Isso exige ainda mais cuidado.”
Ele também chama atenção para o uso do cartão de crédito. “As pessoas buscam crédito, principalmente por meio do cartão de crédito, que é uma ferramenta onde as taxas de juros são ainda maiores. As pessoas precisam usar de forma muito consciente e planejada.”
Sobre os meios de aprendizado, Rogério destaca a força da internet, mas também aponta o risco da desinformação.
“As plataformas digitais tomam uma proporção no papel de educar, mas também de não educar as pessoas. É importante que todos procurem fontes confiáveis, com credibilidade, para falar sobre planejamento financeiro.”
Papel da escola e políticas públicas
Segundo o gerente do Sebrae, o ensino formal ainda tem participação tímida na formação financeira da população. “Poucas pessoas conhecem educação financeira por meio das escolas e faculdades, infelizmente. Poderiam ser grandes canais de educação.”
Mesmo assim, ele reconhece avanços. “Nós já vemos alguns movimentos. Algumas prefeituras inserem na grade curricular temas de educação financeira. Já temos exemplos no Brasil de ações que fomentam e oficializam isso nas escolas municipais.”
O setor privado também tem papel importante, segundo Rogério. “Vemos empresas e o próprio setor público proporcionando cursos na área para seus colaboradores, porque sabem que isso impacta na produtividade da equipe.”
“O Sebrae também pode ajudar muito, tanto por meio das políticas públicas com o governo do estado e prefeituras, quanto capacitando pequenos e médios empresários com cursos e formações na área de finanças.”
Educação financeira é saúde e produtividade
Para além do bolso, a falta de controle financeiro afeta a saúde mental e o desempenho no trabalho.
“O descontrole financeiro gera estresse, gera depressão. Isso reduz a produtividade do trabalho, porque as pessoas não conseguem trabalhar preocupadas.”
Na visão de Rogério, um país com planejamento financeiro também é mais próspero. “Quando há planejamento, sobra recurso para investimento. As empresas conseguem expandir sua capacidade de produção e gerar mais riqueza.”
Ele conclui: “É um tema que afeta todos nós. Mas, trabalhado de forma organizada, como qualquer política pública, pode render grandes resultados para o país. Tomara que esses resultados venham o quanto antes e que tenhamos uma frente nacional para levar essa educação financeira de forma ampla.”