Passamos as últimas semanas mergulhados em mais uma rodada de discussões sobre o orçamento público. De um lado, a MP de aumento de impostos e, de outro, a medida provisória que tenta substituir a MP 1303, que sequer foi votada. E, mais uma vez, o argumento central para justificar mais carga tributária é o mesmo de sempre: a necessidade de, como gosta de dizer o ministro Fernando Haddad, colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda.
O problema é que, apesar desse discurso soar moralmente nobre e politicamente conveniente, as evidências empíricas mostram o contrário. As políticas fiscais desequilibradas — aquelas que ignoram os limites de responsabilidade e eficiência — têm produzido justamente o efeito oposto: o pobre fica mais pobre, mais dependente do Estado e mais distante do mercado formal de trabalho.
Nos últimos 30 anos, o Brasil conseguiu resolver um dos maiores problemas macroeconômicos da sua história: a hiperinflação. Desde então, acreditamos que, com a inflação sob controle, bastaria expandir os programas sociais para finalmente superar a pobreza e o subdesenvolvimento. A ideia era que, com a estabilidade de preços e a ampliação da rede de proteção social, o país entraria em um ciclo de prosperidade inclusiva e sustentável. Mas o tempo mostrou que a equação não é tão simples assim.
De fato, as políticas sociais cresceram, se sofisticaram e se tornaram parte permanente do Estado brasileiro. O Bolsa Família, criado lá em 2003, é o maior símbolo disso. O programa nasceu atendendo cerca de 3,6 milhões de famílias e hoje chega a 19 milhões de beneficiários. Só entre 2022 e 2024, houve um aumento real de 45,8% na renda do Bolsa Família, considerando o valor médio pago e o número de contemplados.
Foi justamente durante a campanha eleitoral de 2022 que o programa deu um salto, alcançando 21,6 milhões de cadastrados. Esses números mostram quanto o programa cresceu e quanto ele se tornou estrutural na política social brasileira. Mas o problema é que, com o tempo, o que deveria ser uma ponte para a autonomia econômica das famílias tem se tornado, em muitos casos, uma moradia permanente — não por culpa dos beneficiários, mas porque o país falhou em construir outras pontes necessárias.
Nos acostumamos a tratar o social e o fiscal como se fossem inimigos. Em nome de colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda, passamos a justificar gastos crescentes e desequilíbrios fiscais, como se responsabilidade e sensibilidade social fossem opostos inconciliáveis. O resultado é perverso.
Ao enfraquecer os fundamentos macroeconômicos, com déficits persistentes e desconfiança dos investidores, o país vê os juros subirem, a atividade econômica arrefecer e o desemprego aumentar — justamente entre os mais vulneráveis. Ou seja, as políticas desenhadas para proteger os mais pobres acabam sendo corroídas pela própria falta de responsabilidade fiscal que se dizia necessária para sustentá-las.
Os estudos mais recentes mostram que o aumento da escolaridade entre os beneficiários dos programas sociais não tem se traduzido automaticamente em ganhos de renda ou na saída definitiva do Bolsa Família. O problema é que não basta formar, é preciso empregar. E o emprego formal depende de um ambiente econômico saudável, de produtividade crescente, de investimento privado e de segurança jurídica. Em outras palavras, os fundamentos fiscais precisam ser sólidos.
Mesmo com as melhorias recentes, o alcance do programa ainda revela um desafio profundo. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, no primeiro semestre de 2024 cerca de 712 mil beneficiários conseguiram emprego com carteira assinada e, entre os novos contratados, 1,3 milhão era integrante do Bolsa Família. São números relevantes, mas pequenos diante do universo de quase 19 milhões de famílias dependentes do programa.
Isso mostra que a inclusão produtiva ainda é exceção, e não regra. As poucas avaliações de longo prazo que acompanham as famílias beneficiárias mostram um dado preocupante: as gerações seguintes aos primeiros contemplados continuam, em grande medida, dependentes de programas de transferência de renda. A vulnerabilidade não desaparece — apenas muda de forma.
E o que torna esse quadro ainda mais grave é a instabilidade econômica recorrente — os famosos voos de galinha do crescimento econômico brasileiro — que, a cada ciclo, empurram novamente essas famílias para a dependência do Estado. É triste.
Em economia, não existe alquimia. A ideia de que é possível expandir gastos indefinidamente, sem contrapartida fiscal, e ainda assim gerar crescimento e inclusão é uma ilusão perigosa. Programas sociais são fundamentais, mas precisam caminhar junto com responsabilidade fiscal, educação de qualidade e políticas de produtividade. Sem isso, tornam-se apenas paliativos.
O verdadeiro desafio do Brasil não é escolher entre o social e o fiscal, mas entender que um não sobrevive sem o outro. A estabilidade econômica é o cerne sobre o qual uma política social eficaz precisa ser construída. É hora de abandonar o negacionismo econômico e reconhecer que boas intenções não bastam. Precisamos de evidências, avaliação contínua e políticas públicas bem desenhadas que permitam aos brasileiros não apenas receber, mas também construir seu próprio futuro.
Só assim o país poderá romper o ciclo de pobreza e frustração que há décadas o mantém refém de soluções fáceis e resultados passageiros.