Toda semana o governo encontra uma nova forma de fazer um puxadinho fiscal no orçamento público. Uma brecha, uma exceção, uma engenharia contábil sempre para gastar mais. E como na economia não existe mágica, o tempo tem exposto as artimanhas fiscais pouco responsáveis que vêm se acumulando nos últimos anos. A bola da vez é o programa Pé de Meia, que começou com boa intenção, mas vem se transformando em mais um caso clássico de política pública com caráter eleitoral e sem base em evidências.
O Pé de Meia foi criado com o objetivo de incentivar a permanência de estudantes no ensino médio, oferecendo uma espécie de poupança educacional. No início, o programa era restrito a alunos de famílias beneficiárias do Bolsa Família, o que fazia sentido dentro da lógica de focalização de políticas. Depois, foi expandido para todos os no CadÚnico, ampliando significativamente o número de beneficiários e, consequentemente, o custo do programa. Agora, o governo cogita estendê-lo para todos os estudantes do ensino médio público, independentemente da renda familiar.
Na prática, trata-se de uma política pública que vem crescendo de forma descontrolada, sem avaliação de impacto, sem dados concretos sobre sua efetividade e em pleno ciclo pré-eleitoral. O orçamento atual do programa gira em torno de 12 bilhões de reais. Em 2024, o governo deixou essa despesa de fora do orçamento oficial, uma manobra para não comprometer o resultado fiscal. Em 2025, por determinação do TCU, o gasto passou a integrar o orçamento da educação.
Só que agora, com o orçamento já estourado, o governo quer derrubar o teto de 20 bilhões de reais que limita o gasto com o Pé de Meia, um movimento que, na prática, equivale a pedir um waiver para gastar o quanto quiser, sem limite, sem regra e sem avaliação. Esse puxadinho fiscal começou de forma silenciosa. Em 2024, o governo classificou o gasto com Pé de Meia como despesa financeira e não como despesa primária, o que, na prática, retirou o programa da contabilidade da meta fiscal. Assim, o gasto não impactava o resultado primário, permitindo ao governo cumprir a meta no papel, mesmo gastando bilhões fora do radar.
Foi uma manobra contábil criticada por técnicos do Tribunal de Contas da União e por economistas, justamente porque mascarava o verdadeiro tamanho do gasto público. Em 2025, após a determinação do TCU, o governo precisou reclassificar corretamente essa despesa e agora, sem o artifício contábil, a conta apareceu. E o que o governo faz hoje nessa nova realidade? Ao invés de rever prioridades, tenta ampliar o programa e torná-lo permanente, por meio de dispositivos incluídos em outros projetos de lei, como o projeto do metanol, que nada tem a ver com esse tema.
Essa tentativa de tornar o Pé de Meia perene sem conhecer seus custos totais e sem avaliar seus resultados é profundamente inadequada e irresponsável. Políticas públicas precisam de base empírica, mensuração de impacto, monitoramento de resultados e fonte de financiamento clara. Sem isso, transformar um programa emergencial em política permanente é uma armadilha fiscal. Os custos crescem, a efetividade é incerta e o espaço orçamentário desaparece. Esse é o primeiro ponto. Mais um puxadinho nas finanças públicas para acomodar um programa sem sustentabilidade fiscal.
O segundo ponto é ainda mais grave. O governo quer expandir uma política da qual não se avaliou o impacto e justamente em um ano pré-eleitoral. Trata-se de uma decisão política, não técnica. E é por isso que o TCU e especialistas em finanças públicas vêm alertando que não se pode conceder um waiver para um aumento indiscriminado de gastos sem uma análise prévia de efetividade da política.
O terceiro ponto, talvez o mais importante, é que as evidências disponíveis mostram que a evasão escolar no ensino médio não tem relação direta com a falta de recursos financeiros. Pesquisas do Instituto Ayrton Senna, da Fundação Lemann e do próprio IPEA indicam que os principais fatores que levam os jovens a abandonar a escola são a falta de interesse na grade disciplinar, a baixa qualidade do ensino, a sensação de que o conteúdo não tem aplicabilidade prática e a ausência de infraestrutura adequada nas escolas.
Em outras palavras, o problema não é dinheiro. É o modelo. Oferecer um benefício em dinheiro pode até aliviar a renda das famílias, mas não resolve o problema da educação. Se o aluno não vê propósito no que aprende, se a escola é desinteressante e se o ensino médio não dialoga com o futuro profissional, ele continuará saindo com ou sem poupança educacional.
Em economia, não existe alquimia. Não se reduz a evasão escolar com transferência de renda descolada da realidade pedagógica, assim como não se melhora a educação com programas improvisados e contas maquiadas. Criar novos gastos sem avaliação de impacto é empurrar o problema para a frente. Como sempre, quem paga a conta é o contribuinte.
O Pé de Meia, que nasceu como uma política pública bem intencionada, corre o risco de se transformar em mais um programa populista, mal avaliado e fiscalmente insustentável. E, como todo puxadinho, pode até parecer solução de curto prazo, mas deixa a estrutura das contas públicas ainda mais instável e não resolve o problema real da educação brasileira. Sonho meu.
