A inutilidade e a vergonha da Câmara de Belo Horizonte

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Divulgação / Câmara Municipal

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Belo Horizonte vive um paradoxo, uma cidade de problemas imensos, mas com um Legislativo minúsculo. A atual legislatura da Câmara Municipal é, sem sombra de dúvida, uma das piores da história recente da capital. O belo-horizontino anda pelas ruas, enfrenta o trânsito, vê a cidade suja, abandonada e sente, na pele, a ausência de políticas públicas que poderiam nascer de um Legislativo sério e comprometido.

A produção legislativa desta Câmara é pífia. Não há um projeto robusto sobre educação que ataque os gargalos reais das escolas da capital. Não há um programa consistente de mobilidade urbana, que desafogue o trânsito ou melhore o transporte coletivo. Não há sequer uma proposta transformadora para a saúde, que é, ao lado da segurança, a maior demanda da população. A exceção, e única que merece aplauso, foi a transformação de Belo Horizonte na cidade da liberdade econômica. Uma medida que respira inovação num mar de mediocridade. Fora isso, nada. Absolutamente nada.

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O que existe, em abundância, são “dias”. Dias de tudo, dias de nada. O Dia dos Métodos Naturais, votado em abril de 2025, virou palco de disputa ideológica, com vereadoras chamando a proposta de “ideias medievais”. A cidade, com problemas urgentes, assistiu a um debate irrelevante e excludente. Logo depois, em julho, surgiu um projeto ainda mais surreal: a lei que proíbe criar duas datas comemorativas no mesmo dia. Ou seja, uma lei para regular a fila das leis inúteis. Há ainda o Dia de Combate à Cristofobia, se para uma vertente religiosa vale, por que não criar o Dia de Combate à Exufobia, uma vez que as religiões de matriz africana são há muito discriminadas. Vereadores são eleitos para sugerir e aprovar leis que atendam a toda a população e não a nichos específicos.

Agora, setembro traz a pérola mais simbólica dessa legislatura: transformar Belo Horizonte na Capital da Tradicional Família Mineira. Um título saudosista, embalado em discurso conservador, que ignora a pluralidade das famílias de hoje: chefias femininas, arranjos homoafetivos, famílias monoparentais, famílias estendidas. Concorde, ou não os vereadores, mais uma vez, escolhem ignorar a realidade para vender uma ficção.

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É preciso dizer com todas as letras. Os vereadores não foram eleitos para criar efemérides ou disputar narrativas ideológicas. Foram eleitos para legislar em favor do povo, fiscalizar o Executivo, propor soluções. Mas preferem brincar de cartório do calendário. E fazem isso muito bem, corremos o risco de ter mais dias comemorativos do que dias úteis em BH. Se a tendência continuar, em breve a cidade terá mais solenidades do que serviços funcionando.

E tudo isso custando caro. Os vereadores são bem remunerados. Dispõem de assessores em profusão, carros oficiais, verbas de gabinete, regalias que não condizem com a pobreza da produção que entregam. Não é favor, é obrigação. É o nosso dinheiro, do cidadão belo-horizontino, que banca essa estrutura. Em troca, recebemos “o dia do tutu”, “o dia do pequi”, “o dia da inutilidade humana”…

A cada nova sessão, aumenta a sensação de que a Câmara vive em outra cidade, desconectada das reais demandas da população. Falta coragem para enfrentar os temas espinhosos, falta visão para propor políticas inovadoras, falta trabalho para fiscalizar o Executivo. Sobra tempo para criar dias.

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Diante desse cenário, faço uma provocação. Que tal instituir o Dia do Vereador que Faz Alguma Coisa de Verdade? Esse, sim, mereceria ser aprovado em turno único, por unanimidade, com direito a festa na praça e aplauso do povo. Até lá, seguimos envergonhados com a atual legislatura e reféns de uma Câmara que prefere o calendário à cidade.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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