Na esquina das ruas Guaicurus e São Paulo, pleno centro de Belo Horizonte, uma cena grita mais alto do que qualquer discurso de campanha sobre “cuidado com a cidade”. O cenário é neorrealista: sacos pretos e amarelos se amontoam embaixo de uma árvore, restos de comida e embalagens espalhadas no chão, cheiro de descaso impregnado no ar. Tudo isso em frente a um muro grafitado e, ironicamente, logo abaixo de uma placa verde que traz a advertência em letras brancas: “Ponto Limpo – Proibido Jogar Lixo e Entulho”.
É o retrato perfeito da contradição urbana. A placa fala em limpeza, a realidade mostra sujeira. A norma pede civilidade, o cotidiano expõe o desrespeito. E, nesse contraste, está o retrato de uma cidade que parece ter perdido a guerra contra o lixo.
O centro abandonado
O centro de Belo Horizonte já foi palco de orgulho cívico e cartão-postal da vida urbana mineira. Hoje, em muitos trechos, virou um depósito improvisado. A foto da esquina da Guaicurus é apenas um entre tantos exemplos: calçadas tomadas por resíduos, esquinas transformadas em lixeiras públicas, moradores e comerciantes convivendo com ratos, baratas e o mau cheiro que se arrasta madrugada adentro.
Não é exagero dizer que a falta de limpeza urbana é uma ferida aberta. Em uma capital que gasta milhões com coleta, varrição e destinação de resíduos, é inaceitável que o epicentro da cidade apresente uma cena dessas. A população, claro, tem parcela de responsabilidade. Afinal, não é a prefeitura quem coloca sacos rasgados no meio da calçada. Mas é o poder público quem deve agir para coibir, fiscalizar e organizar o espaço urbano.
O lixo nas ruas não é apenas questão estética. É saúde pública. Restos orgânicos atraem pragas, contribuem para a proliferação de doenças, entopem bueiros e agravam enchentes quando chega a temporada de chuvas. É também um golpe na economia local: comerciantes perdem clientela, a imagem da cidade se deteriora e o turismo, já fragilizado, encontra mais um obstáculo.
O descaso tem ainda um efeito psicológico. Uma rua suja comunica abandono, transmite a ideia de que ali não há ordem, de que ninguém se importa. É o que os urbanistas chamam de “teoria das janelas quebradas”: quando o espaço público parece degradado, a sensação de impunidade cresce, e com ela o desrespeito às normas mais básicas de convivência.
Nada simboliza melhor o paradoxo do centro de BH do que aquela placa que proclama um “ponto limpo” em meio à sujeira. É o resumo de uma política que muitas vezes se limita ao cartaz, ao decreto, à propaganda. Enquanto a vida real segue ignorada, o poder público acredita que basta escrever a regra no poste para que o problema se resolva por si só.
O resultado é esse: a placa que deveria guiar o comportamento vira piada, enfeite de muro pichado. O morador que passa olha, balança a cabeça e conclui que ali, como em tantas outras áreas da cidade, a ordem é apenas ficção.
O problema da limpeza urbana não se resolve apenas com caminhões de coleta mais frequentes. É preciso uma combinação de fiscalização rigorosa, educação cidadã e requalificação dos espaços. Enquanto a prefeitura não tratar o centro como prioridade, e enquanto parte da população continuar a tratar a calçada como extensão de sua lixeira, cenas como a da Guaicurus vão se repetir indefinidamente.
BH precisa decidir se vai assumir a feição de cidade que cuida de sua memória, de seus espaços, de sua dignidade urbana,ou se continuará a conviver com o lixo espalhado ao pé de árvores e placas zombadas pelo cotidiano.
A esquina retratada não é apenas um ponto sujo: é um símbolo de desleixo. Não é apenas lixo no chão, é cidadania no ralo. O centro de Belo Horizonte clama por mais do que palavras em uma placa. Clama por ação, por respeito, por cuidado.
Enquanto isso não acontecer, a cidade seguirá ostentando, em suas ruas, o cartaz mais cruel de todos: “Aqui jaz o amor próprio de BH.”
O que diz a prefeitura
Em nota, enviada à redação da Rede 98, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) disse que são recolhidas diriamente 32 toneladas de lixo residencial, 55 toneladas de lixo das ruas e outras 15 depositadas em locais clandestinos. O município reforçou que a capina é feita seis vezes ao ano e, todo mês são retirados adesivos e cartazes de 1 mil e 500 postes.
Confira a nota completa:
A respeito das declarações do jornalista Paulo Leite, veiculadas nesta sexta-feira (19/9), sobre a limpeza do Centro da capital, a Prefeitura de Belo Horizonte esclarece que:
A região do Hipercentro é varrida pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) diariamente, inclusive sábados, domingos e feriados, quatro vezes por dia, no mínimo. Diariamente são coletadas 32 toneladas de lixo domiciliar, 15 toneladas de deposições clandestinas e 55 toneladas de lixo nas ruas.
A capina é feita seis vezes por ano. E a cada mês são retirados adesivos e cartazes de 1,5 mil postes.
Somente na região Centro-Sul, a SLU faz a lavação diária de mais de 100 pontos considerados críticos, inclusive aos domingos e feriados, onde há uma grande concentração de pessoas circulando. Em média, o serviço demanda 120 mil litros de água por dia, 40 litros de cloro e 40 litros de sabão.
Nos dias úteis, a lavação é feita em três turnos. Entre os locais lavados diariamente estão praças, passarelas, escadarias, viadutos, ruas e avenidas.
Há três meses a SLU ampliou os serviços de limpeza de vias na cidade. A capina nas sarjetas e passeios passou de quatro a cinco vezes por ano. Nos grandes corredores viários será feita seis vezes por ano.
A frequência da varrição foi ampliada na avenida do Contorno, no trecho entre a avenida Barbacena e a rua Sapucaí, passando de uma vez para três vezes por dia. Parte das ruas do Barro Preto, que tinham varrição uma vez por dia, passaram a ter duas varrições diárias. A mesma frequência passou a ser executada também na Praça da Assembleia e seu entorno e na Praça do Papa. No Bairro Floresta, as ruas Itambé, Aquiles Lobo, Geraldo Teixeira da Costa e Conselheiro Rocha, que eram varridas três vezes por semana, agora têm varrição diária.
Foram implantadas ainda mais cinco equipes de serviços complementares à rotina de limpeza da cidade e mais três equipes de lavação na cidade, cada uma com um caminhão pipa.
Vale ressaltar que a PBH mantém o Programa Centro de Todo Mundo, voltado para a revitalização da região central, trazendo mais condições de moradia, emprego e lazer. O programa já contabiliza entregas importantes, como a reforma das praças da Estação, Rodoviária e do Papa. A Praça Fuad Noman, localizada na Afonso Pena com Tamoios, trouxe de volta a visão do Viaduto Santa Tereza ao fundo, um dos cartões-postais da cidade. A tradicional Rua Sapucaí, na Floresta, também foi revitalizada.