Copasa e a engenharia fiscal de Minas

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A movimentação política na Assembleia Legislativa acompanha o ritmo do governo (Arquivo EBC)

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O governo de Minas Gerais decidiu recalibrar sua estratégia para viabilizar a privatização da Copasa. O novo substitutivo ao projeto de lei, entregue nesta semana à Assembleia Legislativa, estabelece que toda a receita obtida com a venda da participação acionária do Estado será destinada ao Propag (Programa de Pleno Pagamento da Dívida Pública). Trata-se de uma mudança crucial. No desenho original, os recursos poderiam ser aplicados de forma mais ampla pelo Executivo, levantando críticas da oposição de que se tratava de um “cheque em branco”.

Agora, o valor está carimbado, será integralmente para a quitação da dívida com a União e para os investimentos obrigatórios previstos no acordo. Essa vinculação não é apenas uma formalidade contábil; é uma estratégia política para aumentar a aceitação da proposta entre os deputados estaduais e dar maior segurança ao governo federal de que Minas está comprometida com a disciplina fiscal.

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O vice-governador Mateus Simões tem reforçado o argumento de que não se trata de uma simples alienação de ações, mas da transferência do controle acionário da companhia, o que deveria elevar o valor de mercado da operação. A estimativa inicial apontava para R$4,5 bilhões, mas a percepção de Simões é que o valor poderá ser superior, considerando o peso da Copasa no setor de saneamento e sua relevância estratégica em Minas Gerais.

Esse montante não é trivial. Pelas regras do Propag, Minas precisa garantir R$1,2 bilhão por ano em investimentos obrigatórios. Se confirmada a projeção de arrecadação, a venda da Copasa seria suficiente para assegurar quatro anos de aportes. É um alívio fiscal significativo em um estado cuja dívida total ultrapassa R$170 bilhões.

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A mensagem ao mercado é clara, a alienação não é improviso, mas parte de uma arquitetura financeira planejada para reequilibrar as contas públicas e abrir espaço para investimentos sociais e em infraestrutura.

Assembleia em movimento

A movimentação política na Assembleia Legislativa acompanha o ritmo do governo. O presidente Tadeu Leite colocou em pauta a PEC 24/2023, que retira a exigência de referendo popular para a venda da Copasa, mas apenas dela, preservando a consulta para outras estatais, como a Cemig. A escolha não é aleatória: ao restringir a mudança, o governo tenta reduzir resistências internas e evitar que a privatização seja associada a um pacote amplo de desestatizações.

O prazo imposto pela União é um fator de pressão adicional. Até 31 de outubro, os estados interessados em aderir ao Propag precisam apresentar ativos e aprovar os projetos correspondentes. Minas corre contra o tempo para não perder a oportunidade de renegociar sua dívida em condições mais favoráveis.

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Embora o foco imediato seja a Copasa, o governo já deixou claro que a Gasmig, distribuidora de gás, também está no radar de privatização. O argumento é que a estatal não consegue acompanhar o ritmo de investimentos exigido pelo setor e que Minas tem ficado atrás de estados vizinhos, como o Espírito Santo, na expansão da rede de gás.

Nesse contexto, a venda da Copasa pode ser vista como um projeto-piloto. Se o modelo funcionar, a tendência é que outras empresas estatais passem pelo mesmo processo.

O desafio do governo é transformar a narrativa da privatização da Copasa de um tema ideológico em uma necessidade fiscal objetiva. O discurso é de responsabilidade, transparência e comprometimento com o futuro. Porém, há resistências, críticos lembram que o saneamento básico é um serviço essencial, cuja universalização está em curso, e alertam para os riscos de se transferir a prioridade do atendimento ao lucro privado.

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A vinculação dos recursos ao Propag reduz os argumentos de uso político dos recursos, mas não elimina a disputa em torno da natureza pública do serviço. A análise final caberá à Assembleia Legislativa, em um jogo que mistura economia, política e ideologia.

A nova proposta do governo Zema é, antes de tudo, uma tentativa de equilibrar pragmatismo fiscal e viabilidade política. Vincular a receita da venda da Copasa ao Propag dá segurança à União, resposta ao mercado e argumento à base aliada na Assembleia. O sucesso da operação, no entanto, dependerá da capacidade do Executivo de aprovar o projeto dentro do prazo e de convencer a sociedade de que a privatização é mais do que uma opção ideológica: é uma saída concreta para o sufoco fiscal de Minas Gerais.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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