Visão Macro de hoje, vamos falar um pouco mais sobre o ouro, esse ativo razoavelmente antifrágil e que, há 2.000 anos ou mais, se mantém como reserva de valor, ou seja, um dos poucos ativos líquidos que mantêm a característica de não ter um passivo. Isso é, não está sujeito a manipulação contábil, não depende de alguém pagar um fluxo de caixa e por aí vai.
Fora a questão óbvia de diversificação em qualquer portfólio usando ativos reais, que é o caso do ouro, é muito importante colocar dois pontos aqui. O primeiro: o ouro tem uma relação inversa com os juros no mundo. Em geral, períodos em que os juros começam a subir muito, o ouro tende a performar pior, mesmo com eventos geopolíticos intrínsecos nessa precificação.
Por outro lado, quando o mundo começa a discutir novamente ciclos de política monetária com juros para baixo, principalmente o ativo livre de risco do mundo, que são os juros americanos — e agora, de uma maneira ou de outra, mais especificada também para outras moedas como o próprio euro — conseguimos ver um valor bastante relevante no ouro. Mais do que isso, é um ativo que mantém valor dentro dos cenários de incerteza. E isso faz muito coro com esse cenário novo de geoeconomia que temos discutido.
O cenário das tarifas, mas principalmente o cenário das sanções. Para quem não se lembra, uma das sanções impostas à Rússia depois da invasão da Ucrânia foi o bloqueio da grande maioria de suas reservas internacionais que eram denominadas em dólar em ativos americanos. Isso gerou a necessidade cada vez maior, para os bancos centrais, de manter reservas em ouro. E isso não acendeu a luz somente para a Rússia.
A própria China tem sido uma das maiores compradoras marginais via seu banco central e também via sua população. Afinal, dado um alinhamento antidemocrático contra o Ocidente, de alguma maneira, ela não quer ficar suscetível às sanções como ocorreu com a Rússia e tem se desvalorizado de maneira relevante. Esse é um dos principais motivos que têm levado o ouro para patamares recordes.
Além do nível de incerteza, também precisamos olhar o comprador marginal: não só bancos centrais, mas também pessoas físicas. Não apenas por diversificação, mas por necessidades específicas que têm surgido como resposta a eventos recentes. Por exemplo, o cidadão chinês médio tinha sua poupança muito concentrada em ativos imobiliários e em bens de luxo.
Ele percebeu, depois da crise imobiliária que continua na China e que tem mudado o panorama da poupança, que o ouro é uma forma muito relevante de alocar recursos no longo prazo, sem perda de valor e sem dependência do próprio governo manipulando sua moeda. Nesse caso, o ouro cumpre um papel importantíssimo de manter reserva de valor em cenários adversos, com juros mexendo para cima ou para baixo.