A proposta de implementar tarifa zero no transporte público de Belo Horizonte tem gerado comoção, manchetes otimistas e um entusiasmo que beira o romantismo. Mas é justamente esse entusiasmo sem amarras que precisa ser confrontado com os dados, o contexto e o bom senso. Não se trata de ser contra o acesso universal ao transporte, mas de fazer a pergunta fundamental: quem paga essa conta? Porque, como sabemos, nada é realmente de graça, e o “passe livre” pode sair caríssimo.
Atualmente, a PBH já destina mais de R$740 milhões por ano em subsídios ao sistema de ônibus. Com a gratuidade universal, esse valor pode disparar. A proposta dos entusiastas da tarifa zero é financiar a nova despesa com a criação de uma Taxa do Transporte Público (TTP), paga por empresas com mais de nove funcionários, em substituição ao vale-transporte. O argumento é que isso redistribui os custos sem afetar os cofres públicos. Mas a substituição de um encargo trabalhista federal por um tributo municipal levanta questionamentos jurídicos sérios, além de criar um novo ônus fiscal sobre a já pressionada iniciativa privada.
O custo cai no colo das empresas
Transformar empresários em vilões é uma tentação recorrente. Em um país que já impõe uma das cargas tributárias mais complexas do planeta, criar uma nova taxa, ainda que disfarçada de justiça social, pode representar um freio na geração de empregos formais e um empurrão para a informalidade. Sem falar no trabalhador formal, que perderia um direito, o vale-transporte, para, ironicamente, pagar por aquilo que antes recebia como benefício.
A lógica da tarifa zero também escorrega no campo da eficiência. Hoje, o sistema de ônibus de BH sofre com frota sucateada, atrasos crônicos, itinerários desconectados e integração precária. Torná-lo gratuito, sem antes reformá-lo, é como servir água em copo furado. De nada adianta não pagar por um serviço que continua ruim. A gratuidade irrestrita pode até aumentar a demanda, mas também superlota o que já não dá conta, e ainda compromete os investimentos futuros no setor.
Outro ponto que merece atenção é a equidade distributiva. A quem serve o passe livre universal? Aos estudantes e desempregados, sim. Mas também à parcela da população que pode pagar, e que, ao receber o mesmo benefício, consome parte de um orçamento público que poderia ser melhor direcionado. Em vez de um modelo universal e cego, por que não adotar um sistema escalonado, que subsidie apenas quem realmente precisa? Existem mecanismos para isso, como um cartão social.
Os exemplos usados para justificar a tarifa zero, como Ibirité e Maricá, são insuficientes para embasar a adoção em uma metrópole como BH, com mais de 2 milhões de habitantes e demandas logísticas complexas. Nenhuma capital, ou grande cidade do país adotou esse modelo. Nas cidades menores, o modelo funcionou dentro de contextos muito específicos. E mesmo lá, enfrentou desafios: atrasos, queda na qualidade do serviço, falta de planejamento e aumento no custo operacional.
A ideia de transporte gratuito é, sem dúvida, sedutora. Mas políticas públicas não podem ser pautadas apenas por apelos morais. Elas exigem planejamento, viabilidade fiscal, responsabilidade jurídica e foco nos resultados. Investir em transporte de qualidade, melhorar a eficiência operacional, integrar modais, ampliar ciclovias e desenhar linhas com base em dados, isso sim tem impacto real na mobilidade.
Tarifa zero pode até parecer revolucionário. Mas, em sua forma atual, é populismo disfarçado de generosidade, um discurso fácil que evita o debate duro sobre prioridades e capacidade de investimento. Antes de bancar o transporte gratuito para todos, BH precisa arrumar a casa. Porque um sistema falido, ainda que gratuito, continua sendo um sistema falido. E o que parece benefício pode, no fim, sair caro demais para toda a cidade.