Em 21 de agosto deste ano, trouxemos uma questão jurídica referente à partilha de bens da professora assassinada pelo próprio filho. O caso chocou o país e provocou reflexão jurídica: pode um filho que mata a mãe herdar seus bens?
O caso da professora Soraya Tatiana Bonfim França, assassinada em Belo Horizonte pelo próprio filho, Matteos França Campos, expôs de forma cruel os limites da lei diante de laços rompidos pela violência, causada pelo vício em jogos e apostas.
Agora, o tema volta ao debate com a notícia de que o pai de Soraya, Nilton Oliveira França, conseguiu uma decisão provisória junto à 4ª Vara de Sucessões de Belo Horizonte, para garantir que o assassino da professora não possa usufruir de nenhum bem deixado por ela. A ação judicial para declarar o neto indigno de herdar os bens da filha foi distribuída no final do mês de agosto, quando foi proferida a decisão judicial.
Mas a mídia tomou ciência do bloqueio de bens somente nesta terça-feira (14/10), quando foi expedida a citação para Matteos, preso em Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Justiça civil como extensão da reparação moral
A ação foi proposta na 4ª Vara de Sucessões de Belo Horizonte e busca impedir que Matteos – preso preventivamente – possa administrar, usar ou dispor dos bens deixados pela mãe.
Trata-se de uma medida legítima e necessária. No Direito, chamamos de “herdeiro indigno” aquele que, por ato doloso, atenta contra a vida, a honra ou a liberdade de quem lhe transmitiria a herança. É o que prevê o artigo 1.814 do Código Civil.
Mas, como já explicamos em nosso artigo anterior, essa exclusão não é automática. É preciso uma decisão judicial que reconheça formalmente a indignidade.
Somente então o herdeiro perde todos os direitos sucessórios — inclusive o da legítima, que é a parte que a lei reserva obrigatoriamente aos filhos.
A ética como fundamento do Direito de Família
Ao ingressar com a ação, o pai de Soraya cumpre um papel que vai além da defesa patrimonial: ele busca afirmar um princípio moral.
Nenhum sistema jurídico pode admitir que um ato de tamanha brutalidade — um feminicídio cometido contra a própria mãe — gere, ainda que indiretamente, qualquer benefício econômico ao autor.
O pedido de tutela de urgência busca evitar exatamente isso: que o réu, mesmo preso, possa reivindicar posse ou renda de bens que pertenciam à vítima.
A intenção é clara — e correta: impedir que o crime se converta em herança.
Herança e indignidade: quando o sangue não basta
Se a Justiça acolher o pedido, Matteos será excluído da sucessão, e a herança passará aos pais de Soraya — ou seja, aos avós maternos do acusado.
Essa é a ordem natural prevista pela lei quando um herdeiro necessário é afastado por indignidade.
Mas há algo mais profundo nesse gesto.
Quando se reconhece a indignidade, reafirma-se um valor simbólico: a herança não é apenas patrimônio, é continuidade moral.
E quem destrói a vida de quem o gerou rompe o próprio vínculo que dá sentido à sucessão.
A necessidade de uma resposta além da pena de prisão
O caso de Soraya é, antes de tudo, um alerta.Nosso sistema de Justiça precisa responder não apenas com a punição criminal, mas também com a reparação civil e simbólica.Excluir o herdeiro indigno não é vingança — é coerência jurídica e ética.
E é também uma forma de preservar a memória da vítima, impedindo que o amor traído se transforme, no fim, em lucro.
Como dissemos em nosso texto anterior, “a Justiça precisa ser instrumento de reparação — mesmo quando o laço de sangue é rompido pela violência.”
Hoje, ao ver os pais de Soraya buscarem essa reparação nos tribunais, reafirmamos essa convicção: o Direito existe para restabelecer a dignidade — inclusive diante da indignidade.