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O Planalto brinca com fogo tentando fazer do Senado um puxadinho

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(Foto: TV Senado / Reprodução)

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O comunicado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sobre a sabotagem silenciosa do Planalto ao processo de indicação ao STF é desses episódios que deveriam ser estudados em qualquer curso sério de ciência política. Ali está, em prosa oficial e seca, o retrato de um truque malfeito, e de uma tentativa evidente de empurrar o Senado para o papel subalterno que Brasília insiste em lhe reservar.

O Senado, presidido por Alcolumbre e com a CCJ alinhada, fez aquilo que é sua obrigação constitucional, organizou calendário, definiu datas, agendou a sabatina e preparou o terreno para cumprir, ainda em 2025, sua tarefa de examinar a indicação do presidente Lula ao STF. Tudo dentro do rito, tudo dentro das regras, tudo dentro do que manda a liturgia institucional.

E o que faz o Planalto? 

Publica a indicação no Diário Oficial da União, anuncia aos quatro ventos que o nome está escolhido, e, inexplicavelmente, ou melhor, de maneira sorrateira e explícita, não envia a mensagem oficial ao Senado. É como marcar casamento, contratar banda, reservar igreja e, no dia, esquecer de aparecer. Só que, aqui, o “esquecimento” não tem nada de distraído. É cálculo.

Porque ao não enviar a mensagem formal, o Executivo cria um impasse artificial. Uma armadilha. Sem o documento, qualquer sabatina poderia ser contestada por vício regimental. O Planalto sabe disso. O Senado sabe disso. Qualquer estagiário atento sabe disso. E ainda assim o governo cruzou os braços, como quem testa até onde vai o limite da boa-fé alheia.

Trata-se, como escreveu Alcolumbre, de uma “omissão grave e sem precedentes”. E é mesmo. Grave porque interfere diretamente numa prerrogativa do Senado. Sem precedentes porque, desde a redemocratização, nenhum presidente ousou brincar com o ritual de indicação ao Supremo como se fosse uma mesa de baralho onde se pode esconder cartas na manga.

Há quem tente minimizar: “Foi só um atraso”. Há quem veja na manobra um recado: “Se o Senado quer fazer barulho, o Planalto mostra quem manda”. Mas a verdade é mais crua e mais perigosa. Manipular prazos e documentos para constranger o Legislativo é corroer, tijolo por tijolo, a arquitetura republicana. É afirmar que o Executivo é o único poder que importa. E, quando isso acontece, a democracia deixa de ser diálogo para virar monólogo.

O gesto do Planalto ainda expõe outro vício, a  tentativa constante de transformar a sabatina em espetáculo ornamental. Ao atrasar o envio da mensagem, o governo tenta empurrar o calendário para 2026, quando o ambiente político estará ainda mais contaminado pelo ano eleitoral. Alcolumbre, ao cancelar o cronograma, fez o que tinha de ser feito: fechou a porta antes que o Executivo empurrasse o Senado para a constrangedora posição de avalista de um rito eivado de brechas.

A decisão do Senado é, portanto, menos um ato de desagravo e mais um grito de basta. Basta ao improviso como método de governo. Basta à liturgia tratada como formalidade descartável. Basta à tentativa de tutelar um poder que, por Constituição, é independente e essencial ao equilíbrio da República.

Quando Alcolumbre escreve que o Senado foi “surpreendido” pela ausência da mensagem, ele está dizendo algo ainda maior, deixando claro que o Planalto achou que podia avançar sobre atribuições que não lhe pertencem. Achou que o Senado aceitaria o papel de figurante. Achou que o país não perceberia a engenharia da manobra. E errou. Errou feio.

Porque a República quando cada poder conhece e defende seu espaço. Quando o Executivo não estica a corda, e quando o Legislativo não aceita ser empurrado para a sombra. Se há algo saudável nessa crise, é justamente o barulho, e não o silêncio cúmplice que, tantas vezes, anestesia Brasília.

O comunicado de Alcolumbre é seco como um despacho militar, mas retumba como um alerta: o Senado não será emparedado. E, ao expor a manobra, expõe também o que já se tornou uma prática perigosa — um Planalto que tenta governar por cima das instituições, dobrando regras e testando limites.

Numa democracia madura, o Executivo indica, o Senado sabatina, a sociedade observa. No Brasil de hoje, o governo tenta inverter essa ordem, como quem ensaia atalhos para fugir às tensões naturais do processo. Mas a República não é feita para ser confortável. É feita para ser respeitada.

E quando o Executivo joga com a liturgia, o Senado tem a obrigação de chamar o jogo. Foi o que fez. E fez bem. Porque, se há algo pior do que um poder barulhento, é um poder de joelhos. E, felizmente, o Senado hoje prefere o ruído à subserviência.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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