Por mais técnico que pareça, o dado é simbólico, e grave: pela primeira vez, a Dívida Pública Federal ultrapassou R$ 7,5 trilhões. Um número gigantesco que, embora ainda dentro das previsões do governo, revela a fragilidade do atual modelo fiscal. E o quadro geral é ainda mais preocupante: a dívida líquida também ultrapassou os R$ 7,5 trilhões pela primeira vez, enquanto a dívida bruta já se aproxima de R$ 9 trilhões. O peso desse endividamento recai, direta ou indiretamente, sobre toda a sociedade. Quem paga essa conta?
Segundo o Tesouro Nacional, a dívida cresceu 0,22% em março, puxada principalmente pelos juros e não por novos empréstimos. Ou seja, mesmo com resgates líquidos (quando o Tesouro resgata mais títulos do que emite), o saldo da dívida aumentou. A explicação: os juros são incorporados ao saldo devedor. Só em março, foram mais de R$ 74 bilhões em juros empilhados sobre a dívida existente. Com a Selic elevada, o custo de carregar a dívida explode. E quanto mais o tempo passa, mais essa bola de neve cresce.
A trajetória é insustentável. A dívida pública brasileira pode ultrapassar R$ 10 trilhões até 2026, e os gastos com juros têm potencial para romper a barreira de R$ 1 trilhão já em 2025. Mais do que estatísticas frias, esses números simbolizam o esgotamento de uma estratégia fiscal que perdeu o rumo, mas insiste em manter a aparência de controle. O endividamento segue aumentando mês após mês, e nenhum sinal concreto de contenção aparece no horizonte.
Nos últimos dez anos, a dívida bruta mais que dobrou, saltando de R$ 3,2 trilhões em 2014 para os quase R$ 8 trilhões atuais. Sua proporção em relação ao PIB disparou de 56% para mais de 76%, podendo chegar a 89% até 2028. O retrato é alarmante e o governo, longe de encarar o problema, parece mais interessado em empurrá-lo para depois das eleições.
Um dos principais pontos de confusão no debate público é a narrativa de que o governo está com a arrecadação em baixa. Isso não é verdade. A arrecadação federal tem batido recordes, impulsionada pelo aumento de tarifas, criação de novos impostos e maior carga sobre a produção. Embora tenha havido alívio fiscal pontual, como a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e programas sociais, esses movimentos foram compensados com recomposição em outras frentes, muitas vezes penalizando a atividade produtiva. O saldo, portanto, é de maior arrecadação, o que torna o descontrole fiscal ainda mais preocupante, já que o problema não é a receita, mas a gestão do gasto.
Além disso, parte do aparente “otimismo econômico” recente vem de fora: estamos colhendo bons números que refletem os efeitos colaterais da política protecionista de Donald Trump, que empurrou alguns contratos internacionais para o Brasil. Mas isso é uma cortina de fumaça temporária. Quando os Estados Unidos retomarem seus acordos e se reorganizar comercialmente, a pressão sobre o Brasil aumentará, e seremos forçados a encarar uma economia inchada, com gastos acelerados e decisões equivocadas, como a proposta de alteração da jornada 6×1, que pode reduzir produtividade e piorar o ambiente de negócios.
O chamado “arcabouço fiscal”, vendido como uma alternativa ao antigo teto de gastos, mostrou-se frágil, e está sendo sistematicamente ignorado pelo próprio governo que o criou. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já deixou claro que ajustes só serão discutidos em 2027, após as eleições. Até lá, o recado é claro: apertem os cintos, o piloto sumiu.
Enquanto o Banco Central tenta conter a inflação com juros altos, o governo segue em trajetória oposta: aumenta gastos, posterga reformas e amplia o crédito subsidiado, empurrando com a barriga o debate sobre corte de despesas. Projetos como o Pé-de-Meia e o Auxílio Gás seguem sem fontes de financiamento estáveis. E o ajuste fiscal, tratado como palavrão, segue enterrado sob promessas não cumpridas.
A bomba-relógio fiscal está armada. E o risco é claro: sem correção de rota agora, o próximo governo, qualquer que seja, terá de lidar com uma dívida ainda maior, juros ainda mais altos e um Estado mais travado. Até lá, seguimos à base de improvisos, populismo e torcida para que o crescimento milagrosamente resolva o problema. Uma ilusão que, historicamente, tem custado caro ao Brasil.