Moto por app em BH: liberdade ou risco disfarçado?

Siga no

Regulamentar o transporte por moto é, acima de tudo, uma decisão política e social. Significa reconhecer uma realidade e tentar organizá-la sem apagar seus problemas (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Compartilhar matéria

Belo Horizonte decidiu avançar no debate que há meses frequenta os grupos de WhatsApp de motoboys e gabinetes de vereadores. Dos 41 vereadores, 39 disseram “sim” ao projeto que regulamenta o transporte de passageiros por motocicleta via aplicativo. É a política correndo atrás da realidade, ou tentando alcançá-la.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

A proposta, de autoria do vereador Pablo Almeida (PL), recebeu apoio quase unânime. Só dois parlamentares não participaram da votação por razões protocolares. Se dentro da Câmara Municipal o clima parece ser de consenso, do lado de fora, a conversa é um pouco mais complexa.

Vamos aos dois lados dessa moeda acelerada.

Para quem defende o projeto, ele é um avanço civilizatório. Afinal, o transporte por moto já acontece diariamente, sem regra, sem garantia, sem proteção. Regular significa reconhecer a atividade, dar dignidade ao trabalhador, exigir seguros, EPI (equipamentos de proteção individual), fiscalização dos percursos e velocidade máxima por parte dos aplicativos, que também devem fazer treinamento constante dos motociclistas.

É como tirar a atividade da clandestinidade e colocá-la sob a luz da legalidade. Além disso, gera renda rápida num país que convive com o desemprego e a informalidade. Negar esse tipo de oportunidade parece descolado da realidade de quem precisa pagar os boletos do mês.

E tem mais: para muita gente, a moto é o único meio de transporte rápido e acessível em uma cidade engarrafada como BH, que faliu na tentativa de solucionar as questões da mobilidade. Em horários de pico, ela dribla o caos e garante agilidade para quem está com pressa. Mas e quem não está?

Regulamentar é suficiente para tornar segura uma atividade sabidamente arriscada? O Ministério do Trabalho já havia pedido a suspensão do serviço por entender que ele precisava de um debate mais profundo, e por alertar sobre o alto índice de acidentes envolvendo motociclistas.

Afinal, estamos falando de transportar gente na garupa de uma moto, pelas ruas esburacadas e mal sinalizadas de uma cidade com trânsito pesado e, muitas vezes, agressivo. É diferente da entrega de mercadorias e serviços. Aqui há mais um correndo o risco, o passageiro. As estatísticas dos acidentes de motos só aumentam; basta olhar a realidade do HPS em Belo Horizonte.

Tem também a discussão sobre a precarização do trabalho: o projeto avança nas exigências de segurança, mas ainda há dúvidas sobre como será feita a fiscalização, quem arcará com os custos dos EPIs e se as plataformas digitais vão mesmo cumprir sua parte.

Será que o poder público terá estrutura para monitorar tudo isso? Ou será mais uma daquelas leis que nascem fortes e morrem frágeis, na gaveta da burocracia?

A votação ainda passará por um segundo turno e dependerá da sanção do prefeito Álvaro Damião, que está em missão oficial fora do país. Quando ele voltar de Israel, encontrará esse presente esperando na sua mesa.

Regulamentar o transporte por moto é, acima de tudo, uma decisão política e social. Significa reconhecer uma realidade e tentar organizá-la sem apagar seus problemas. O desafio será garantir que o impulso pela legalidade não atropele o bom senso, nem coloque vidas em risco em nome da pressa.

Porque, no fim das contas, não se trata só de velocidade. Trata-se de segurança, dignidade e responsabilidade, que vai do motoboy ao passageiro, passando por quem vota, quem regula e quem fiscaliza.

Compartilhar matéria

Siga no

Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

Webstories

Mais de Entretenimento

Mais de Colunistas

O promotor que parou no tempo e num viaduto dos anos 70

Boa Esperança: o destino mineiro que une tradição e adrenalina

Lula 3 e a arte de falhar com muito dinheiro

Bolsonaro em BH: pragmatismo político e a ilusão de 2026

O cheiro de fim de governabilidade

Agro não é só colheita, é estratégia

Últimas notícias

Trump responde se vai deportar Musk e ameaça usar Doge: ‘Monstro que vai comer o Elon’

AGU vai ao STF para reverter derrubada de decreto do IOF

Professores de BH seguem em greve após assembleia na Afonso Pena

Atlético mira Juan Portilla e Tomás Molina: ‘vasculhar o mercado sul-americano’

Black Sabbath libera raridades da fase pré-heavy metal

Instagram e Spotify se unem para colocar sua trilha sonora no topo das conversas

Arraial de Belô terá shows de Fafá de Belém, Naiara Azevedo e mais

Professores em greve se reúnem em assembleia na Afonso Pena e bloqueiam trânsito no Centro de BH

Veja 10 jogadores do Brasileirão que podem assinar pré-contrato a partir desta terça (1º/7)