O cheiro de fim de governabilidade

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A derrota no caso do IOF não foi só uma prova de que o governo perdeu a batalha de comunicação e conteúdo, mas de que não tem mais forças para enquadrar a Câmara (Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

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A votação esmagadora, na noite de ontem, na Câmara dos Deputados, com 383 votos a favor e 98 contra para anular o decreto de Lula que elevou o IOF, não foi apenas uma simples derrota do governo. Não foi só mais uma batalha perdida. Não. O que vimos foi a marca indelével do processo de desidratação política do presidente.

A narrativa governista, que tenta colocar o Congresso como defensor dos ricos enquanto o Executivo assume o papel de guardião dos pobres, acabou empurrando os deputados para a derrubada do decreto.

Novos tempos, velhas práticas


Desde o dia em que retornou ao Planalto, Lula tenta convencer a todos de que poderia governar como em 2003, quando o carisma e uma economia global favorável lhe garantiam uma ampla base de apoio e uma oposição dispersa. A expectativa do PT era de que o assunto voltaria à pauta apenas no início de julho, e isso escancara não só a desorientação política do partido do presidente, mas de toda a frágil base governista, alimentada tão somente por ministérios e emendas.

Os tempos, porém, são outros. O Lula de hoje não tem o vigor político de antes, não exibe mais a mesma habilidade para costurar alianças e não parece entender que o país e o Congresso mudaram e, para seu infortúnio, não para facilitar sua vida.

A derrota no caso do IOF não foi só uma prova de que o governo perdeu a batalha de comunicação e conteúdo, mas de que não tem mais forças para enquadrar uma Câmara cada vez mais cética e pragmática. A imagem de um governo à deriva começa a tomar forma quando uma maioria tão ampla não apenas derrota a proposta do Palácio do Planalto, mas o faz sem medo de retaliações ou sem esperar vantagens em troca. É o velho aviso de que “o cachorro não tem mais medo do dono”. Nem mesmo a liberação apressada de quase R$ 3 bilhões em emendas parlamentares foi capaz de evitar uma derrota tão acachapante.

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E aqui entra uma personagem que deveria representar a linha de frente de uma articulação tão necessária e tão precária: Gleisi Hoffmann. A ministra que deveria liderar a articulação política mostra-se tão habilidosa quanto um elefante numa loja de cristais.

Se, como presidente do PT, mobilizou a militância nas redes, como construtora de consensos tem sido um fracasso. Não parece ter aprendido uma das regras mais elementares do jogo político: não dá para transformar todos os adversários em inimigos, não dá para atropelar as diferenças e esperar aplausos depois. Sua insistência numa comunicação sectária e sua aposta em pautas sem diálogo tornam o ambiente legislativo cada vez mais hostil e ampliam a percepção de um governo sem comando.

Se esta derrota não for lida corretamente por Lula e seu grupo, não será um episódio isolado, mas o prólogo de uma longa e dolorosa agonia legislativa. O governo não precisa só de votos para sobreviver, mas de uma nova sintonia política para não naufragar antes da hora.

Um país que, nos últimos 22 anos e meio, viveu espasmos de responsabilidade fiscal e de política tributária menos punitiva – durante dois anos de Temer e alguns meses de Bolsonaro – não suporta mais a irresponsabilidade política e econômica do PT.

Não se iludam os que pensam que os parlamentares agiram apenas para enviar um recado à frágil relação e ao fraco compromisso do governo com o combinado. A Câmara dos Deputados, pressionada pela sociedade civil, empresários, confederações, federações e pelo mercado, deu uma mensagem clara: “Sem ajuste fiscal e uma agenda pragmática do Executivo, nada passará”.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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