Há ideias que têm cheiro de naftalina, aquele pó que mora em armários trancados, convivendo com roupas que ninguém usa, mas que seguem ali, ocupando espaço e tempo. Pois eis que um promotor do Ministério Público de Minas Gerais resolveu, mais uma vez, cumprir seu papel de guardar as leis, mas esqueceu que a cidade anda, mesmo tropeçando em buracos e no asfalto remendado.
O viaduto em questão foi parido nos anos 70, quando Belo Horizonte ainda era uma “cidade grande com alma de província”. Ele foi duplicado nos anos 90, quando os celulares pareciam tijolos e ninguém postava vídeos de engarrafamento no “X”. E agora, em 2025, esse viaduto virou um gargalo que estrangula o trânsito da região do Belvedere todo santo dia. Mas, para o promotor, parece que ele ainda é moderno e suficiente.
Sim, é preciso respeitar a lei e os procedimentos. Mas também é preciso respeitar o cidadão que passa duas horas parado no trânsito a cada ida e vinda, consumindo gasolina, paciência e saúde mental, enquanto espera que a burocracia se resolva em gabinetes climatizados.
O texto da lei, escrito em latim
O promotor quer licenciamento urbanístico, quer laudos, quer carimbos, quer planos, quer aprovações no Compur, quer o artigo 340 do Plano Diretor rezado em latim, mas parece esquecer que a vida da cidade não cabe em papel timbrado. Não se trata de ignorar a legislação, mas de entender que há leis que precisam caminhar ao lado das necessidades reais de quem vive a cidade.
Falar que “não somos contra a obra, desde que esteja dentro da lei” é bonito para nota oficial. O viaduto precisa ser ampliado, as alças precisam ser ajustadas, os fluxos precisam ser desafogados, e o cidadão precisa de mobilidade, não de mais embromação jurídica.
Sim, precisamos de áreas verdes, de planejamento urbano sério e de transparência. Mas também precisamos de coragem para entender que a cidade mudou, que a Lagoa Seca não é intocável se o preço a pagar for a paralisia do trânsito, o aumento de emissões e o prejuízo diário de quem paga impostos e recebe congestionamento em troca.
O que parece faltar ao promotor é visão de futuro. Belo Horizonte não pode ser refém de um viaduto dos anos 70 eternamente. Se a lei atrapalha a vida urbana, precisamos discutir a lei. Se o processo é lento, precisamos desburocratizar. Se há irregularidades, corrijam-se. Mas a cidade não pode parar enquanto o carimbo não chega.
No fim do dia, o cidadão quer chegar em casa sem gastar o salário em combustível e calmantes. Quer que os filhos voltem da escola sem ficarem presos por meia hora em cada semáforo. Quer que o Uber não custe o preço de uma pizza porque o motorista fica preso na Raja.
Belo Horizonte não pode ficar parada porque um promotor ficou parado no tempo.
Ou o Ministério Público ajuda a cidade a avançar com responsabilidade, ou corre o risco de ser lembrado como mais um obstáculo em uma metrópole que já tem problemas suficientes para enfrentar.
E o viaduto segue lá, ultrapassado e apertado, esperando o dia em que as boas intenções deem espaço ao bom senso.