A soja brasileira está no centro do tabuleiro geopolítico. E neste jogo, o Brasil parece jogar com vantagem. Mas é preciso cuidado: quando a partida envolve Estados Unidos e China, a qualquer momento a regra pode mudar.
A safra brasileira de 2025 é um feito histórico: 165 milhões de toneladas, recorde mundial, contra 118 milhões dos EUA. Na exportação para a China, nosso maior parceiro, o domínio é ainda mais explícito: até agosto, 75 milhões de toneladas embarcadas daqui, contra apenas 16,5 milhões dos americanos. Se a projeção se confirmar, o Brasil terminará o ano com 100 milhões de toneladas vendidas ao mercado chinês, ou seja, de cada 10 navios que deixam nossos portos, 7 seguem para Xangai.
O alerta dos agricultores americanos
Esse quadro explica por que os agricultores americanos falam em “colapso interno”. O preço da soja nos EUA cai, enquanto os custos de produção, como fertilizantes e maquinário, disparam. A carta enviada a Donald Trump por associações de produtores traduz o desespero: sem recuperar parte do mercado chinês, muitos podem quebrar.
É justamente aí que mora o risco. Trump, em sua lógica transacional, dificilmente deixará o tema de lado nas negociações com Pequim. Se a China aceitar uma cota mínima de importação da soja americana em troca de concessões tarifárias, o Brasil perde parte do espaço que conquistou com suor e eficiência.
E a diplomacia brasileira? Tem se mostrado lenta. A aposta exclusiva na pujança do campo pode se transformar em vulnerabilidade. A cada safra recorde, maior a dependência da demanda chinesa. Sem diversificação de mercados e sem atuação firme em fóruns internacionais, ficamos reféns de uma decisão que pode ser tomada em uma madrugada de negociação entre Washington e Pequim.
Os números atuais são motivo de celebração, mas também de alerta. Ao mesmo tempo em que o Brasil assume a liderança global da soja, precisa reconhecer a fragilidade de depender de um único comprador para mais de 70% de suas exportações. Uma reviravolta tarifária poderia transformar o recorde em dor de cabeça.
A soja é “commodity” importante para o Brasil. Mas não há vitória garantida quando o adversário se chama Estados Unidos e o árbitro é a China. O jogo da soja é de longo prazo, e só se ganha de fato quando a diplomacia corre ao lado do agronegócio, garantindo que os frutos do campo não sejam colhidos por outros no tabuleiro da geopolítica.