O Brasil ultrapassou, em 2025, a marca de R$3,6 trilhões em gastos públicos. O número, por si só, já impressiona. Mas, mais do que impressionar, ele inquieta, de onde vem tanto dinheiro? E, principalmente, para onde ele vai?
Trata-se de um retrato fiel da voracidade do Estado brasileiro, um Estado que promete tudo a todos, mas que insiste em não resolver o básico: a responsabilidade com as contas públicas.
O governo apostou no chamado arcabouço fiscal como substituto do velho teto de gastos. A ideia era simples: criar regras realistas, que acomodassem despesas obrigatórias sem paralisar investimentos. Só que, na prática, esse “novo regime” virou uma colcha de retalhos cada vez mais cheia de exceções, brechas e flexibilizações.
Exemplo recente: o Congresso promulgou a PEC dos Precatórios, que a partir de 2026 tira essas dívidas da regra de limites fiscais. Na prática, a manobra dá mais espaço para gastar, sem que o impacto apareça no cálculo oficial. Um truque contábil, elegante no discurso, mas perigoso na realidade.
E não para aí. Tramita na Câmara um projeto para excluir do arcabouço os recursos do Fundo Social do Pré-Sal destinados à saúde e à educação. A promessa é liberar até R$1,5 bilhão por ano para essas áreas. Parece virtuoso, mas esconde a verdade incômoda, mais um furo na rede de contenção fiscal, mais uma despesa empurrada para fora das regras, mais uma contradição entre discurso e prática.
Supersalários e privilégios
Entre os gastos que mais provocam indignação estão os supersalários e penduricalhos do serviço público. Apenas em 2025, essas remunerações especiais já ultrapassam R$150 bilhões. É dinheiro que poderia irrigar saúde, educação ou segurança, mas se perde no labirinto das folhas de pagamento recheadas de privilégios.
Enquanto isso, o pequeno empresário sofre com carga tributária sufocante, o cidadão paga juros estratosféricos e os serviços públicos, ironicamente, continuam precários. A equação não fecha, mas o sistema segue rodando, como se fosse natural.
Diversos analistas têm insistido no mesmo diagnóstico. O governo prefere empurrar despesas obrigatórias para fora do arcabouço. Precatórios, subsídios, pisos constitucionais, tudo é recauchutado em manobra legislativa para escapar da contabilidade oficial.
O resultado? Um Estado disfarçado de responsável, mas que na verdade transfere o problema para o futuro. E o futuro cobra com juros, inflação pressionada, dívida crescente, e a confiança do investidor abalada. A conta chega em forma de dólar mais caro, crédito mais restrito e menos investimentos produtivos.
É importante frisar. O gasto público não é um inimigo em si. Saúde, educação, infraestrutura e segurança precisam, sim, de recursos robustos. Mas há uma diferença brutal entre gastar com prioridades e gastar para manter estruturas inchadas e conveniências políticas.
O Brasil parece incapaz de romper esse vício. A cada nova regra fiscal, cria-se também a lista das exceções. E assim vamos anestesiando a sociedade, faz-se de conta que há disciplina, enquanto a montanha de gastos cresce, silenciosa, fora do radar.
O problema não é apenas técnico ou contábil. É político. Cada vez que se cede a um jeitinho, que se abre uma brecha, que se tolera um privilégio, o Brasil reforça uma cultura de complacência fiscal. E essa cultura corrói a confiança do cidadão nas instituições e mina a credibilidade do país no mercado internacional.
Não é de hoje que os governos preferem adiar decisões difíceis para colher aplausos imediatos. Mas governar não deveria ser sobre popularidade de curto prazo, e sim sobre construir bases sólidas para o futuro. O custo do improviso já conhecemos, crises cíclicas, planos econômicos quebrados, cortes emergenciais quando o colapso bate à porta.
O gasto público de R$3,6 trilhões deveria servir como espelho. Ele mostra que a sociedade brasileira sustenta um Estado gigantesco, caro e ineficiente. Não é sustentável continuar assim.
É hora de exigir mais do que remendos. Precisamos de transparência radical, de cortes corajosos nos privilégios, de reformas estruturais que enfrentem a máquina e liberem espaço para o que realmente importa. Não é possível continuar sacrificando as próximas gerações no altar do imediatismo político.
Se não houver coragem, restará ao país apenas a amarga certeza de que a conta virá. E, como sempre, cairá no colo do contribuinte, que é aquele que trabalha, paga impostos e recebe em troca serviços aquém do que merece.
O Brasil vive hoje uma encruzilhada. De um lado, o sonho de um Estado eficiente, moderno, capaz de garantir direitos. Do outro, a realidade de um Estado pesado, que gasta demais e entrega menos.
A ultrapassagem dos R$3,6 trilhões em despesas não é apenas um número. É um alerta. O gasto público pode ser motor de desenvolvimento, mas, do jeito que está, tem sido apenas uma corda que nos aperta o pescoço.
E se não aprendermos a cortar na carne, o país seguirá refém da própria gula fiscal.