Lula tem talento para frases de efeito que viram manchete. Ao afirmar que a atual legislatura da Câmara dos Deputados é “a mais fraca que já viu”, ele não apenas cutucou o Parlamento: abriu um espelho incômodo sobre a política brasileira, e sobre nós mesmos. Afinal, se o Congresso está fraco, quem o elegeu?
A frase do presidente ecoa o clima de tensão entre Executivo e Legislativo. Lula, no seu terceiro mandato, coleciona derrotas como poucas vezes se viu. O Planalto foi atropelado na votação do marco temporal, viu partes do novo arcabouço fiscal serem desmontadas, perdeu a batalha para recriar o imposto sindical disfarçado, enfrentou resistência na taxação dos fundos exclusivos e ainda tem medidas provisórias paradas nas gavetas da Câmara. Em várias ocasiões, o governo saiu menor do que entrou, um sinal de que perdeu, ao mesmo tempo, a liderança política e a capacidade de articulação com o Congresso.
Um Governo sem força, dominado pela fraqueza do Congresso
A crítica presidencial, embora temperada por ressentimento, tem um fundo de verdade difícil de negar: o nível médio dos parlamentares em todas as casas legislativas do País caiu vertiginosamente. A Câmara transformou-se num tabuleiro de interesses paroquiais, bancadas temáticas e projetos de poder pessoal. A lógica dominante não é a construção de políticas públicas de longo prazo, mas a disputa por cargos, verbas e fatias do orçamento secreto. O debate qualificado virou exceção, e o plenário, muitas vezes, parece mais uma feira de vaidades do que um espaço de formulação legislativa.
O Senado, que durante muito tempo foi tratado como “Casa revisora” e palco de debates mais densos, não escapa dessa degradação. Ali também imperam os discursos superficiais, as alianças de conveniência e a política do cálculo eleitoral permanente.
Mas se a crítica de Lula é justa ao apontar a fragilidade do Parlamento, ela se torna incompleta quando ignora a origem desse problema. Nenhum, vereador, deputado ou senador nasce por geração espontânea. Todos chegam ali por força do voto. E, nesse ponto, a responsabilidade não é deles, é nossa.
Nós, eleitores, temos eleito quem grita mais nas redes sociais, quem distribui sorrisos em época de campanha, quem promete soluções mágicas para problemas complexos. Elegemos não os mais preparados, mas os mais populares. Não os que têm visão de país, mas os que dominam o marketing de curto prazo. O resultado é um Parlamento que representa com fidelidade a superficialidade com que temos tratado a política.
Lula, portanto, tem razão ao dizer que a atual Câmara é fraca. Mas erra ao agir como se isso fosse culpa apenas dos parlamentares. Seu governo também tem parcela significativa nessa equação. Falha ao construir pontes sólidas, não sabe dialogar com uma base heterogênea e mantém uma postura de quem ainda vive o tempo em que a Presidência ditava a agenda e o Congresso apenas a aprovava. Esse tempo acabou. Hoje, o jogo é mais fragmentado, mais complexo e exige habilidade política que o Planalto, até agora, não demonstrou possuir.
A democracia brasileira vive um impasse previsível: um Executivo sem articulação, um Legislativo incapaz de propor e deliberar com profundidade, um judiciário que se julga acima de todos os poderes, e um eleitorado que insiste em delegar seu poder sem critério. A soma desses fatores produz um país que patina, que toma decisões erráticas e que desperdiça energia com disputas pequenas em vez de enfrentar os grandes desafios estruturais.
Talvez a frase de Lula devesse ser outra: “Esta é a Câmara mais fraca que já vi, o governo mais fraco que o país já viu, e a sociedade mais omissa ao votar também.” Dura? Sem dúvida. Mas verdadeira. Porque um Congresso fraco não é um acidente da história; é a consequência direta de nossas escolhas.
Se quisermos um Parlamento à altura dos desafios do Brasil, precisamos começar por nós mesmos — informando-nos melhor, cobrando mais dos candidatos, recusando promessas vazias e entendendo que o voto não é favor, é ferramenta de transformação. Enquanto isso não acontecer, continuaremos a ouvir frases como a de Lula, e continuaremos a viver sob a sombra de um Congresso que, no fundo, apenas reflete o tamanho da nossa própria consciência política.