Há momentos em que a política brasileira parece esquecer que é política. Esquece sua liturgia, sua responsabilidade, sua vocação para o debate, e terceiriza a própria função para quem não deveria ser protagonista das escolhas democráticas. O caso mais recente vem da Assembleia Legislativa de Minas. PT e PSOL escorregaram na falta de habilidade e no descompromisso com a política de verdade, e recorreram ao Supremo Tribunal Federal para tentar desfazer aquilo que perderam no plenário da Casa.
A cena é simples, mas simbólica: a ALMG aprovou, por ampla maioria, a Emenda Constitucional 117, que retira a exigência de referendo popular para permitir a privatização da Copasa. Uma mudança de regra, dura, polêmica, estratégica, mas absolutamente legítima, porque feita dentro da casa que a Constituição designa para esse propósito. Parlamentares discutiram, votaram, convenceram, perderam, ganharam. O jogo democrático correu seu curso natural.
Mas bastou o resultado contrariar a oposição para que PT e PSOL corressem ao STF, empunhando a bandeira da “inconstitucionalidade”, como se o Supremo fosse uma espécie de VAR institucional, pronto para revisar qualquer jogada que o placar político não lhes agrade.
É nesse gesto que reside o verdadeiro problema: quando partidos políticos, incapazes de construir maioria, recorrem ao Judiciário para tentar reverter uma derrota legítima, não apenas revelam pouca habilidade política, revelam imaturidade democrática. Uma espécie de adolescência cívica tardia, que ainda não aprendeu que perder faz parte do jogo e que a vitória se constrói com diálogo, articulação, narrativa e estratégia, não com judicialização.
E é aí que o Brasil escorrega.
Recorrer ao STF para resolver questões já decididas no plenário, e dentro das regras constitucionais, é empurrar o país para um desequilíbrio perigoso entre os poderes. É inflar o protagonismo do Judiciário e esvaziar o papel do Legislativo, que já anda fragilizado por sua própria incapacidade de assumir suas responsabilidades sem pedir socorro à toga.
É curioso, e inquietante, notar que esses mesmos partidos que agora gritam “inconstitucionalidade!” convivem bem com o fato de que a mudança feita pela ALMG é, por definição, constitucional: foi aprovada pelo próprio Poder Constituinte Derivado Estadual, seguindo todos os trâmites, todas as formalidades, todas as votações e com maioria qualificada. Não há vício. Não há ruptura. Não há golpe. Há apenas política, daquelas que se vence ou se perde na arena parlamentar.
Tentar vestir o STF como árbitro universal de toda frustração política é mais do que erro, é incentivo a um país que vive de atalhos institucionais. E atalhos, como qualquer um sabe, podem até reduzir distâncias, mas aumentam riscos.
Que a privatização da Copasa é um tema enorme? Sem dúvida. Que mexe com saneamento, tarifas, universalização, patrimônio público, balanços municipais, planejamento urbano? Claro. Que tem que ser amplamente debatido? Evidente. Mas a discussão precisa acontecer no lugar certo, no tempo certo e com a maturidade que se espera de agentes políticos adultos.
O que não se pode é transformar o STF num plantão de emergências partidárias. Não se pode, a cada derrota legítima, criar uma tese de “inconstitucionalidade” para reescrever o jogo que já acabou. Não se pode transformar pesos e contrapesos, princípio nobre, em muleta emocional de quem não conseguiu construir maioria.
Ao acionar o Supremo contra a decisão da ALMG, PT e PSOL prestam um desserviço, empobrecem o debate, enfraquecem o Legislativo e reforçam a lógica de intervenção judicial que já hipertrofiou o sistema político brasileiro. A troco de quê? De uma narrativa que tenta anular o fato político mais duro de todos. Perderam. Com maioria robusta. Perderam porque não construíram alianças. Porque não convenceram os colegas. Porque não apresentaram força política suficiente para impedir a mudança constitucional.
E perder é parte do jogo democrático. O que define a maturidade dos atores é o que fazem depois da derrota: reorganizam, conversam, articulam ou correm para o STF pedindo que o árbitro refaça o lance?
Quando partidos políticos abrem mão de fazer política, não apenas entregam seu próprio poder, entregam um pedaço do equilíbrio institucional do país. E é aí que mora o perigo, quando a política desiste de si mesma, alguém vai ocupar o lugar dela. E não costuma ser bom.
Em Minas, a disputa sobre a Copasa continua, e continuará. Mas a decisão da ALMG é legítima, válida e constitucional. E se a oposição quiser revertê-la, terá de fazer isso onde sempre deveria ter feito: na política. Com maturidade, estratégia e respeito ao jogo democrático.
Tudo o resto é apenas sintoma de um país que ainda precisa aprender a perder, para um dia voltar a ganhar.
