O psicanalista, psicólogo e escritor Eduardo Lucas Andrade analisa os impactos do uso precoce de telas por crianças e adolescentes. Para ele, a discussão não deve se limitar ao tempo diante do celular ou computador, mas à forma como os adultos têm permitido que a tecnologia ocupe funções essenciais na vida das crianças.
O limite do acesso
Ele afirma que quanto mais cedo se evitar o contato com dispositivos, melhor. “Olha, o tanto que der conta de evitar da criança mais nova ter acesso é bom. Porque os danos ali podem ser vários. Até porque essa tela tá sendo oferecida a qual motivo? Por qual questão? Primeiro ponto é esse. Essa tela tá vindo no lugar de quê?”.
“Se antes não tínhamos tela para as crianças, porque as crianças não vai acessar ali para vender, ela não vai acessar ali para vínculo social, ela não vai acessar ali para organizar viagem, para organizar as coisas, ela não vai usar para coisa prática. Ela vai usar para um lugar de dinâmica, de fantasia, de dinâmica de interação e muitas vezes de assistir elementos”, explica.
O que está faltando?
O especialista questiona o papel dos adultos ao permitir o uso precoce. “Bom, se isso tá vindo muito precocemente, criança muito mais novinha, que está vindo no lugar de quê? O que é que está faltando?”.
“E não é o que está faltando na criança. O que está faltando nos cuidados desse adulto com essa criança de que as telas estão sendo ali um educador. Ou seja, está sendo ali já uma relação que a gente não sabe qual a dinâmica vai tomar.”
A falsa sensação de segurança
Ele compara a proteção dada fora de casa ao descuido no ambiente virtual. “Porque se está vindo para suprir algo que está faltando, enquanto isso faltar as telas serão oferecidas. Vamos pensar: se você não deixa sua criança sair sozinha na rua, porque tem desconhecidos e esses desconhecidos podem de algum modo colocá-la em risco…”.
“E ainda mais, se você também toma cuidado na sua família, porque mesmo quem é conhecido para você, para a criança não é conhecido, tá? Porque tem muitas pessoas que acham assim: ‘Ah, é da família e logo tá seguro’. Não é. É dentro das famílias que as questões abusivas, tanto sexuais e outras, vêm à tona”, pondera.
Quando o respeito não é considerado
Segundo Andrade, muitas vezes a criança não tem sua vontade respeitada, enquanto a tela é oferecida sem questionamento.
“Porque para criança, muitas vezes a criança não quer ir no colo de alguém, a criança não quer abraçar alguém e não se respeita isso. Ah, ele é da família. Em nome de um imaginário, não se sabe. Ah, ele é de confiança. De confiança para quem? Talvez não é da criança, não respeitam isso”.
“Mas a tela eles oferecem e a tela é um lugar. A tela não é uma coisa que você só assiste, ela interage com você porque ela tem algoritmos que te capturam. Se a gente pegar a internet, se a gente pegar os cliques que você faz em vários lugares, então a tela é um lugar”.
“Você vai deixar a criança andar sozinha num lugar que pode ter vários outros ali para oferecer para ela algo que talvez você não gostaria que tivesse fora da tela? Essa é uma questão. Porque a internet, sendo o universo que é, você não sabe o que é que vai chegar para criança, você não sabe qual capacidade física que ela tem para lidar com aquilo, que talvez vem visceral.”
O impacto do conteúdo
Ele lembra que até adultos precisam de avisos diante de materiais sensíveis. “Se para adulto já tem que se colocar nas notícias conteúdo sensível, você pensa para criança alguma coisa ali que a gente não sabe que dimensão ela vai interpretar, de que que ela vai entender daquilo”.
“Tudo pode ser falado para criança, desde que a criança pergunte, desde que a criança traga o tempo dela. Quando a criança pergunta sobre algo, ela está trazendo o tempo dela, ela acessou aquele algo de algum modo. A gente pode contornar, mas como é que a gente trabalha isso com a criança? Escutando ela primeiro.”
Temas delicados
Na visão do psicanalista, não há tabu quando a conversa parte da criança. “Ah, pode falar de morte com criança, pode falar de sexualidade, pode falar de suicídio, pode. Deixa que você escute ela primeiro. A partir dali, você pode trabalhar com essa criança. Aí sim, você sabe de onde a coisa está vindo.”
O risco da compulsão
Andrade alerta para sinais de vício, como crises diante da ausência da tela. “Já com crianças um pouco mais velhas, os pais têm que monitorar. A criança pode ter um acesso, esse acesso tem que ser limitado”.
“Ah, mas a criança dá birra, a criança chora, a criança se não tiver. Bom, aí a gente pode ter algum problema aqui de compulsão, de vício. A gente pode ter algum lugar aqui de dependência já”.
“Porque se ela tá dando birra para aquilo, é porque sem aquilo algum tédio vai vir. Algum lugar horrível vai ficar. Vai ficar um vazio. Então tem alguma dinâmica ali que não tá funcionando. E aí é necessário o adulto.”
A comparação com espaços proibidos
O psicanalista questiona o motivo de a internet ser tratada de forma diferente. “Se a criança der birra para entrar num lugar proibido para menor de 18, você vai deixar? Por que que na internet se permite?”
O papel dos adultos
Ele reforça que os pais precisam assumir a responsabilidade.
“Então a questão vai sendo justamente o acompanhamento desses pais, que muitas vezes não conseguem fazer isso. Por isso que é necessário algumas orientações, por isso que é necessário sempre estar fazendo matérias desse tipo para poder orientar, para poder explicar, tirar dúvidas, para poder dar algum contorno disso que está vindo para nós também enquanto adulto de forma muito abrupta.
“Olha o medo que a inteligência artificial não colocou nas pessoas. Olha o medo que a inteligência artificial não colocou no mundo de certo modo ali no primeiro momento, aí depois vai se dissolvendo”.
“Para a criança tudo que chega, muitas vezes chega com esse peso mesmo, de que meu mundo não vai suportar porque eu não tô entendendo. E aí vai dissolvendo. Mas para dissolver, a gente precisa desse outro, desse outro adulto conosco.”
Fatores de proteção
Por fim, Andrade defende que o acompanhamento constante deve ser transformado em prática.
“Então tem um momento seguro que tem que ser acompanhado por um outro, até que a autonomia de orientação de proteção esteja bem feita. Porque onde tem fatores de risco, a gente tem que criar fatores de proteção. Nas redes sociais também, na internet também e nas telas também.
Então, para criança, para o pré-adolescente, a gente vai criando fatores, o ideal seria isso, de proteção. Se você vê isso, você me fala. Se você vê aquilo, isso não pode. Se você tiver isso, você bloqueia. Com isso aqui você não conversa. Isso aqui eu vou estar monitorando. Isso aqui eu vou estar junto de você. Isso aqui você vai usar só determinado horário.
“Ah, mas é difícil. Olha, é difícil, mas é possível. Porque depois que você abrir mão disso e não fizer nenhum, pode ser impossível e pode ser muito triste, além de trágico.”