*Com colaboração de Thiago Cândido
A guerra comercial entre Estados Unidos e China, intensificada pelo chamado “tarifaço” imposto por Washington, encontrou o Brasil em uma posição singularmente estratégica. Longe de ser vítima, o país soube capitalizar a tensão, mantendo um sólido superávit na balança comercial com a China, seu principal parceiro.
O empresário e especialista na relação comercial entre o Brasil e o país asiático, Maurício Mendes Dutra, ressalta que, diferentemente da competição EUA-China, as economias brasileira e chinesa são complementares. A China “depende” do Brasil para sua segurança alimentar e mineral, consumindo volumes recordes de soja, minério de ferro, proteína animal e, notavelmente, amendoim, após a quebra de barreiras fitossanitárias.
“A visão que eu tenho hoje sobre a questão do tarifaço, ela é muito positiva para o mercado brasileiro. O Brasil saiu muito vitorioso, saiu muito bem desse conflito aí do Trump com Xi Jinping,” afirma Dutra, destacando a importância da precificação, câmbio e frete como “ciência” para a competitividade em um cenário de instabilidade global permanente.
A resposta do setor produtivo incluiu a diversificação de risco, impondo um teto de exposição a um único mercado e explorando novos players no Norte da África e Europa, demonstrando um amadurecimento na gestão da dependência comercial.
| Mercado / Indicador | Variação & Status (Pós-Tarifaço) | Destaque Estratégico |
| 🇨🇳 China | 🔺 +30% em Exportações | Amortecedor Principal: Absorveu grandes volumes de commodities e insumos minerais, validando a complementaridade econômica. |
| 🇪🇺 Europa | ↗️ Demanda Crescente (Setores Específicos) | Oportunidade Antiga: Aumento na procura por produtos como o amendoim, decorrente de tarifas que os EUA já haviam imposto a este bloco. |
| 🌍 Norte da África | ↗️ Aumento da Demanda (Ex: Proteína Animal) | Novos Horizontes: Alvo estratégico para a diversificação, reduzindo a dependência de grandes players e fortalecendo a segurança comercial. |
| 🇺🇸 Estados Unidos | 🔻 -18,5% em Exportações | Queda Direta: Impacto imediato da tarifa de 50%, sentida principalmente em produtos de maior valor agregado. |
| Global (Balança Comercial Total) | Superávit de US$ 6,1 Bilhões | Vitória da Resiliência: O saldo positivo reforça a necessidade de buscar uma soberania comercial e evitar a subserviência a um único país. |
O empresário brasileiro: ‘Tropa de Elite’ dos negócios
Se o tarifaço não gerou um colapso, a razão reside no DNA resiliente do executivo nacional. Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), enfatiza que o empresário brasileiro é a “tropa de elite do mundo executivo”, sendo forjado em um ambiente de hostilidade interna incomparável.
“O Brasil é um país de instabilidades absurdas, comparado com o resto do mundo. Aqui são condições anormais de temperatura e pressão. O ambiente muda o tempo todo, a legislação muda o tempo inteiro, as crises econômicas ocorrem a todo momento,” destaca Roscoe.
A capacidade de reação rápida e flexível, o conhecido “jogo de cintura” brasileiro, é o que permite ao setor enfrentar crises externas como o tarifaço. No entanto, Roscoe faz uma ressalva crucial: para produtos de valor agregado, a saída não é tão simples.
O lado que preocupa: perda de valor agregado e o “Custo Brasil”
Apesar do sucesso nas commodities, Roscoe diverge sobre a ideia de “benefício” generalizado, afirmando que o tarifaço custou mercado e valor agregado nos produtos industrializados (o suprassumo da exportação) que o Brasil vende para os EUA. O mercado americano, grande, estável e com regras mais previsíveis, é insubstituível para escoar esses produtos complexos.
Essa dificuldade em competir expõe o principal gargalo da economia nacional: o Custo Brasil. Segundo Roscoe, a matriz industrial brasileira carrega cerca de 15% de custo oculto, predominantemente tributário, disfarçado em encargos. Por exemplo, 50% da conta de energia elétrica da indústria é composta por encargos (políticas públicas) que o exportador é forçado a pagar, reduzindo sua margem de competitividade internacional.

Rumo à soberania: o salto da industrialização
O grande consenso entre os empresários é que o Brasil precisa dar o salto da industrialização. Com recursos naturais incomparáveis (clima, solo e água) e um executivo de ponta, a nação não pode se contentar em ser apenas exportadora de matéria-prima.
O caminho é investir em infraestrutura e na transformação primária, agregando valor aos produtos:


Como sugere Maurício Dutra, investir neste segundo passo na industrialização não só aumenta as divisas e a margem de lucro do país, como consolida sua soberania comercial, permitindo que a “tropa de elite” empresarial possa, de fato, competir em pé de igualdade no mercado global.