No Brasil, temos um velho hábito: achar que os problemas econômicos se resolvem com uma canetada, com uma alquimia de burocratas que acreditam poder mudar a realidade por decreto. Mas a verdade é que, em economia, não existe alquimia — e o caso mais recente é o da discussão na Câmara dos Deputados sobre a volta da gratuidade no despacho de bagagem em voos. Mais uma vez, busca-se uma solução simples para um problema complexo.
A discussão da retomada do despacho gratuito ocorre na esteira da recente polêmica sobre a cobrança por bagagem de mão ou mala de bordo — uma mudança implementada sob o argumento de que os passageiros poderiam escolher bilhetes com ou sem direito à mala despachada, o que, teoricamente, reduziria o preço da tarifa. O argumento que embala essa nova proposta é o mesmo de 2017: separar o custo da mala do custo do bilhete para oferecer passagens mais baratas.
Na época, o discurso era de que, ao vender bilhetes sem franquia de bagagem despachada, o passageiro teria mais economia. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. As passagens não ficaram mais baratas — e o serviço, em muitos casos, piorou.
O problema da aviação civil no Brasil não está na mala, está na estrutura. O setor é altamente concentrado, com poucas empresas dominando o mercado, o que reduz a competição e mantém as tarifas elevadas.
Permitir ou proibir o despacho gratuito não altera essa realidade. O que pesa de verdade no custo das passagens aéreas brasileiras é a estrutura regulatória e o modelo de concessão dos aeroportos, que torna a infraestrutura aeroportuária cara, engessada e pouco eficiente.
As concessões de aeroportos foram desenhadas em um modelo rígido, que impõe custos elevados de operação, exigências contratuais complexas e obrigações acessórias que inviabilizam companhias menores ou regionais. Além disso, as rotas obrigatórias e os lotes de concessão — que agrupam aeroportos rentáveis com outros deficitários — criam cruzamentos de subsídios que distorcem o mercado e encarecem o serviço.
Em resumo, quem paga a conta da ineficiência é o passageiro. Enquanto isso, as grandes companhias aéreas mantêm um poder de mercado enorme, operando em rotas de baixa rentabilidade apenas porque compensam com os preços mais altos das rotas superavitárias, como as que ligam grandes centros urbanos.
A ausência de competição real, seja de companhias estrangeiras, seja de empresas regionais menores, mantém o setor travado, caro e vulnerável. E basta olhar para fora para perceber o tamanho da distorção.
A Colômbia, com território e renda média menores, tem um mercado aéreo mais dinâmico e acessível. Na Europa, o modelo de concessão e regulação privilegia a entrada de novas companhias, o que resultou em tarifas baixas e alto volume de passageiros. Nos Estados Unidos, as companhias regionais são incentivadas por uma estrutura de custos mais racional e por políticas que fomentam a competição.
O Brasil, ao contrário, continua preso a um modelo centralizador, caro e burocrático.
Em economia, não existe alquimia. Nenhuma canetada vai reduzir o preço das passagens aéreas.
Para que o transporte aéreo seja realmente mais acessível, é preciso rever o modelo de concessões, reduzir os custos operacionais impostos pelo Estado, permitir maior competição, atrair empresas estrangeiras e fortalecer as rotas regionais.
Só assim será possível democratizar o acesso ao transporte aéreo no país e fazer com que voar deixe de ser um privilégio. Enquanto continuamos discutindo o tamanho da mala e ignorando o tamanho do problema, ficaremos presos no chão — com passagens caras e uma aviação civil que não decola.
O Brasil precisa discutir com seriedade as causas estruturais da ineficiência, e não continuar acreditando que mágica regulatória resolve o que a boa economia se recusa a consertar.