Passou despercebida, mas não deveria. O professor Augusto de Franco nos traz à luz uma cena que ajuda a entender a gravidade do momento em que vivemos: uma reunião “histórica” em Pequim, não de democratas, mas de autocratas. Ali, no último dia 3, na parada militar organizada para celebrar os 80 anos da vitória chinesa contra o Japão, ergueu-se o maior convescote de ditaduras do planeta.
E lá estavam, entre chefes de Estado e líderes de regimes que têm no autoritarismo sua essência, Celso Amorim e Dilma Rousseff, em nome de Lula e do PT. Não estavam na lista oficial de convidados, mas fizeram questão de marcar presença num evento que, longe de ser comercial ou diplomático, foi uma demonstração política e militar nos moldes das paradas soviéticas e nazistas. Um recado claro ao mundo. O eixo autocrático está organizado e pretende desafiar as democracias liberais.
O espantoso não é apenas a reunião em si, mas o paradoxo brasileiro: o mesmo governo que se apresenta aqui como guardião da democracia envia representantes a uma celebração explícita da força bruta. A contradição é gritante, mas parte da opinião pública prefere ignorá-la, talvez porque aceitar esse fato custe admitir que a narrativa “democrática” do PT se sustenta mais no marketing do que na prática.
É preciso lembrar que no século XXI, a erosão das democracias não acontece, na maioria dos casos, por quarteladas súbitas. Não é sempre o tanque na rua, como imaginaram bolsonaristas em Brasília ou fizeram os militares em Mianmar. Hoje, 70% dos processos de autocratização se dão por dentro das instituições, lentamente, pela captura e aparelhamento, pela corrosão da alternância de poder. É nesse terreno que um partido hegemonista se move, transformando o Estado em instrumento de perpetuação.
O desfile em Pequim é simbólico não só porque mostra a força reunida de regimes autoritários, mas porque revela a ambiguidade de quem, em solo brasileiro, jura lealdade à democracia enquanto celebra a estética e a lógica da autocracia. É o abraço da serpente. E se não estivermos atentos, corremos o risco de naturalizar o que deveria ser visto com espanto e repúdio.