A dificuldade de obter uma prova incontestável da natureza dos Objetos Voadores Não Identificados frequentemente provoca e dissemina mal-entendidos. E uma das “vítimas” de tais incompreensões é justamente um dos mais famosos eventos da Ufologia mundial: a “Noite Oficial dos OVNIs no Brasil”, ocorrida em 19 de maio de 1986 no espaço aéreo brasileiro.
“Pode ser, digamos, um problema de guerra eletrônica”
Essas foi uma das frases pronunciadas pelo então Comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) e Ministro da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Octávio Júlio de Moreira Lima (1926-2011) durante uma entrevista coletiva logo após o evento.
Em seguida ele colocaria brevemente que “guerra eletrônica” é um tipo de interferência que pode acontecer nos radares, e que se tratava apenas de “uma hipótese”, o que mais ajudou a confundir do que esclarecer as circunstâncias de todo o ocorrido. Uma missão de Guerra Eletrônica pode ser desencadeada a partir de um navio, uma estação terrestre imóvel ou móvel (montada em um caminhão, por exemplo) ou, como na hipótese daquele evento, de uma aeronave.
O que o Ministro não explicou é que uma ação de Guerra Eletrônica contra o sistema de controle de tráfego aéreo e defesa aérea de um país dispensa que a aeronave que a desencadeia necessite arriscar-se a entrar sozinha no espaço aéreo deste país e ser perseguida pelas suas aeronaves de interceptação (como aconteceu quando os caças da FAB foram acionados), o que aliás não é recomendável, visto que a grande maioria dos aviões de Guerra Eletrônica em serviço na época, a exemplo do General Dynamics EF-111 Raven e Grumman EA-6B Prowler, não dispunham de meios de autodefesa ativa (a exemplo de mísseis ar-ar ou canhões) contra caças de defesa aérea, como os empregados pela FAB no evento.
E contrapondo ainda mais esta versão houve relatos de contatos visuais testemunhados inicialmente pelo então presidente da Empresa Brasileira de Aeronáutica-EMBRAER, Coronel-Aviador Ozires Silva, que pilotava um bimotor leve EMB-121 Xingu, pelos pilotos dos caças da FAB e mesmo por militares que estavam em aeroportos da região. Ocorre que os equipamentos de aeronaves em missões de Guerra Eletrônica não emitem sinais visuais, posto que atuam nas frequências de radiação eletromagnética invisíveis ao olho humano.
“E se foi uma missão de espionagem executada por um SR-71 Blackbird?”
Outra das teorias usualmente formuladas (e inclusive disseminadas em sites da internet) para tentar explicar o que ocorreu naquela noite é a de que se tratou de uma missão de espionagem executada por uma aeronave de reconhecimento estratégico Lockheed SR-71 Blackbird.
Esta hipótese deve-se em grande parte à situação geopolítica então vivenciada pelo governo brasileiro e que merece um retrospecto para que seja adequadamente compreendida.
A partir do final da década de 1970, ainda sob a sucessão de governos militares, o governo norte-americano decretou um embargo para a exportação produtos de natureza militar para o Brasil. A decisão foi parcialmente responsável pelo estabelecimento de acordos científico-militares entre o Brasil e nações então vistas com alguma desconfiança pelas potências ocidentais, a exemplo do Iraque e da Líbia.
O resultado prático de tais acordos foram o estabelecimento de um programa para um foguete capaz de colocar um satélite em órbita (e, portanto, uma carga nuclear, caso existente), a ser desenvolvido em conjunto com o governo iraquiano, além de vendas de veículos militares para os dois países, o que se materializou durante a década seguinte.
No território brasileiro as atividades relativas a este acordo cabiam a instituições como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA, em São José dos Campos, São Paulo) e a Avibrás, sediada na mesma localidade. Também deve ser lembrado que historicamente a política externa norte-americana tem considerado o Brasil de modo ambíguo: se por um lado o país é considerado um aliado regional também é visto como uma potência em desenvolvimento, para a qual não é desejável que determinado nível de independência tecnológica seja estimulado.
Assim, não surpreende que a teoria de que um “Blackbird” tenha sido o responsável por, durante uma missão de reconhecimento objetivando conhecer detalhes de alguns programas militares secretos e alarmar a defesa aérea brasileira naquela noite seja muito popular.
Contudo, tal como acontece com a hipótese anterior, essa também não possui fundamento na realidade, por um único motivo.
Ao contrário da grande maioria das aeronaves de reconhecimento o SR-71 foi concebido para cumprir tais missões sem que fosse necessário sobrevoar o território a ser investigado, assim eliminando um dos pontos vulneráveis das aeronaves de reconhecimento anteriores, e que provocou o abate com mísseis antiaéreos do Lockheed U-2 então tripulado pelo piloto da CIA Francis Gary Powers, em 1º de maio de 1960, enquanto sobrevoava o território soviético.
Para cumprir a sua missão, o SR-71 (que foi retirado de serviço ativo na Força Aérea norte-americana em 1990) contava com scanners e câmeras de visada lateral, perpendiculares à trajetória da aeronave. Deste modo, ele poderia “espionar” instalações adversárias quando estivesse voando sobre águas ou espaços aéreos internacionais, sem que a sua presença acionasse sistemas de defesa aérea de outros países.
“Alterações bruscas de trajetória”
Nos relatórios oficiais elaborados pelos pilotos de caça de FAB presentes ao evento é comum a citação a alterações bruscas de trajetória apresentadas pelas luzes.
Contudo, esta é uma situação incompatível com aeronaves capazes de altas velocidades como o SR-71 “Blackbird”, por três razões: como todo modelo de aeronave construído pelo ser humano, ele possuía limites estruturais, ditados por sua velocidade e características dos materiais empregados no seu projeto, que se não respeitados resultariam no rompimento da sua fuselagem; o SR-71 era uma aeronave tripulada, cujos ocupantes estavam sujeitos a um limite de aceleração gravitacional muito restrito, 3Gs, insuficientes para executar mudanças repentinas na trajetória do seu voo, que exigem uma aceleração maior e, finalmente, as leis da Física, às quais as aeronaves “terráqueas” estão submetidas determinam que a desaceleração de um objeto veloz exija uma distância considerável. No caso das velocidades típicas do “Blackbird” esta desaceleração tomaria dezenas de quilômetros.
Portanto, diante do que foi explanado acima, as teorias mais lembradas para explicar o que realmente protagonizou “A Noite Oficial dos OVNIs no Brasil” não resistem a uma análise mais cuidadosa e desapaixonada.
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