Há quem diga que a gente só ama aquilo que atravessa a pele devagar. Belo Horizonte fez isso comigo. Não chegou com estrondo, não se impôs como Rio, Salvador, ou Barcelona, não me arrebatou de primeira como certas cidades que se vendem em cartões-postais. BH foi chegando pelas bordas, pelas ladeiras que desafiam o fôlego, pelos ipês que explodem sem pedir licença, por uma praça modesta que vira ritual de convivência. Foi assim, quase sem perceber, que me descobri belo-horizontino.
Cheguei aqui no final dos anos 70, quando a cidade ainda tateava seu próprio futuro. Eu também. BH não era a metrópole inquieta que é hoje, mas já carregava uma vocação: ser grande sem perder o costume de conversar na calçada. Aos poucos entendi que a alma de Belo Horizonte mora justamente nessa mistura de cidade e vila, de capital e quintal, de modernidade e simplicidade. Uma cidade que se reinventa, mas que te convida, sempre, a sentar para um cafezinho, como quem diz: “não precisa ter pressa”.
Talvez por isso eu tenha me apaixonado. E talvez por isso me doa.
Porque amar uma cidade é também enxergar suas falhas. E BH, essa joia rara que insistimos em guardar no bolso sem polir, tem brilho — mas tem poeira. Tem qualidade de vida que salta aos olhos, e uma ausência gritante dessa mesma qualidade em bairros esquecidos. BH é aquela pessoa brilhante que, às vezes, esquece do próprio potencial.
Olhe em volta: é aqui que se vive melhor no Brasil, dizem os rankings e repetem os moradores. É verdade. Temos uma gastronomia vibrante, espaços culturais, um jeito leve de existir que se espalha pelos botecos. BH é segura na medida do possível, é democrática na essência, é acolhedora na alma. É cidade que cuida, pelo menos no coração de quem vive nela.
Mas também é a cidade que tropeça na própria falta de cuidado. A cidade dos buracos, da zeladoria esquecida, do lixo acumulado, dos parques que mereciam mais carinho, de um transporte que insiste em olhar para o passado. BH não exige milagres; exige atenção. Exige a humildade de entender que não basta uma ou outra obra vistosa se a calçada continua quebrada. Que não adianta inaugurar viaduto enquanto falta poda, varrição, manutenção, o básico, esse luxo invisível que garante a sensação de pertencimento.
E talvez essa dualidade seja o que torna Belo Horizonte diferente. Ela é desejo e frustração na mesma esquina. É uma vitrine de qualidade de vida e, ao mesmo tempo, uma lembrança de que qualidade de vida precisa ser cuidada todos os dias, como se rega planta. É uma promessa permanente, que, às vezes, cumpre; às vezes, adia.
Eu falo disso porque amo essa cidade. Porque aqui nasceram meus dois filhos, porque aqui construí minha vida, porque aqui encontrei uma forma de ser que não cabe em outro lugar. BH me ensinou que uma cidade é mais do que ruas e prédios: é um pacto afetivo. E, como todo pacto, exige reciprocidade.
Por isso minha cobrança. Por isso minha crítica. Belo Horizonte não pode ser tratada como vitrine de ocasião ou palco de improviso. Ela merece planejamento, cuidado, zelo, merece ser tratada como patrimônio vivo de quem acredita que cidade boa é aquela que acolhe, que funciona e que respeita quem nela habita.
BH é a capital onde a vida tem cheiro de pão na chapa, tem som de conversa na calçada e tem ritmo de quem sabe viver. Mas esse encanto precisa ser protegido. Toda joia, por mais resistente que seja, também arranha.
E eu, que cheguei sem saber o que viria, continuo aqui, torcendo para que BH brilhe sempre. Não como fantasia, mas como cidade real, viva, complexa. Uma cidade que eu amo o suficiente para elogiar, e para cobrar.
Porque amor verdadeiro é assim: celebra, mas não se cala.
Parabéns BH!
