Vivemos um desses momentos em que a energia elétrica, de acordo com dados oficiais, parece abundante, mas o bolso do consumidor padece. No Brasil, há de fato um excesso de oferta de energia elétrica, mas isso não se traduz em faturas menores. Pelo contrário, enquanto a geração cresce, a tarifa continua escalando. Esse descompasso merece nossa atenção, sobretudo para quem analisa política pública, economia fiscal e os efeitos sobre as famílias.
Segundo dados recentes, entre janeiro e setembro de 2025 a energia elétrica residencial acumulava alta de 16,42 % (IPCA), mesmo em cenário de geração maior que a demanda.
O roteiro da contradição
Em primeiro lugar, a oferta é maior que a demanda. Pode parecer poético, mas é patético. O País gera mais energia do que consome, em alguns casos o dobro ou mais. Por exemplo, projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que em 2028 a demanda poderia ser aproximadamente de 110,98 GW, contra uma oferta estimada de aproximadamente 281,56 GW. Dados disponíveis a quem interessar possa.
Em linguagem simples: estamos construindo, com recursos públicos e privados, usinas que geram “capacidade” que, ao menos no momento, não se converte em consumo proporcional.
Mas não basta “gerar mais”. O sistema elétrico brasileiro exige sincronização entre oferta, demanda, transmissão e custos associados. Quando a oferta cresce sem que a carga (consumo) acompanhe, surgem desperdícios, ou no jargão técnico, vertimentos, cortes de geração e custos operacionais elevados.
E quem absorve esses custos? O consumidor por meio da tarifa.
Seguindo, analisando dados, vem a geração distribuída, térmicas caras e tarifa em ascensão. Existe um avanço explosivo da geração distribuída, painéis solares residenciais ou comerciais, que muda o perfil do fluxo da energia.
Durante o dia, muitos consumidores geram energia própria. Isso reduz o consumo da rede, mas ao mesmo tempo diminui a carga remunerada para outras usinas. À noite, quando o sol se põe, ainda precisamos acionar termelétricas, que são caras, poluentes e pressionam a bandeira tarifária.
A equação é simples, porém cruel. Pagamos tarifa integral, mas o sistema já mudou, e os custos de adequação recaem sobre todos, e assim, mesmo com “energia sobrando” em alguns momentos, a conta não para de subir, porque os gargalos não estão só na geração, estão na flexibilidade, no armazenamento, na transmissão, no desenho institucional. E no fim, quem paga é o consumidor residencial.
A terceira peça desse quebra-cabeça são os encargos setoriais e os subsídios que, em vez de serem temporários, foram se incorporando como rotina no setor elétrico. Em 2025, os subsídios setoriais (e geração distribuída) somavam cerca de R$39 bilhões até outubro, representando um impacto de mais de 17% na tarifa residencial.
Em muitos casos, esses subsídios tinham justificativa (universalização, energia limpa, incentivo à inovação). Mas quando eles se perpetuam, apoiando políticas públicas populistas e cartoriais, sem ajuste institucional, viram custo fixo nas costas dos mais vulneráveis.
Não bastasse isso, parte da geração mais barata (solar, eólica) concentra-se no Nordeste, enquanto o consumo é maior nas regiões sudeste e no Sul, maiores centros econômicos e de produção do País, o que traz custo de “escoamento” e de transmissão adicional.
Ou seja. A “energia barata” é produzida no local “A”, e tem de viajar ao local B, passando por perdas ou gargalos. E quem paga essa conta: O consumidor, é claro.
Se continuarmos nessa rota, a realidade que teremos é, cada vez mais “gargalos invisíveis”: capacidade ociosa, termelétricas em stand-by cobrando tarifas, investidores pressionando aumento de tarifa para recuperar investimentos e o consumidor final preso no meio dessa barafunda de desacertos.
E, claro, com a minha natural obsessão por política fiscal e orçamento público, é urgente um planejamento integrado e restrição de subsídios automáticos. O incentivo à energia renovável foi bem-vindo, mas deverá agora conviver com a realidade de mercado. É preciso revisar subsídios, instituir mecanismos de custo-benefício real, e vincular apoio à redistribuição justa dos encargos.
Investimentos em armazenamento e descarga de pico: Energia solar e eólica são intermitentes. Sem baterias ou “soluções de descarga” para o pico noturno, vamos continuar acionando térmicas caras. O Estado e o mercado precisam priorizar esses ativos.
O consumidor paga tarifas altas, mas nem sempre entende os componentes, geração, transmissão, encargos, subsídios. Melhorar a transparência e responsabilizar quem decide fortalece a cidadania.
Luz demais, custo demais
No fim, o que temos é um paradoxo. Há luz demais, mas o fardo é pesado. A geração cresce, a tarifa também; a tecnologia avança, os elétrons sobram e os pesos ficam.
É necessário desenhar esse enredo com clareza: apontar quem ganha, quem perde, como se financia e quem vai pagar a conta. O setor público precisa repactuar tais políticas. O consumidor deve ficar alerta, pois a energia que ilumina pode também tornar o futuro escuro quando o custo se torna opressivo.
