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A bagagem gratuita e o preço da ilusão

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A medida soa, à primeira vista, como um presente ao passageiro (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O Senado Federal decidiu, em mais uma dessas investidas paternalistas que fazem o Estado parecer um grande tutor de consumidores desavisados, aprovar a gratuidade obrigatória para a bagagem de mão de até 10 quilos em voos nacionais e internacionais. Parece uma boa notícia. Parece, mas não é.

A medida soa, à primeira vista, como um presente ao passageiro. Quem nunca reclamou das taxas das companhias aéreas? Quem não se irritou ao descobrir, na hora de pagar, que o bilhete “baratinho” vinha sem direito à mala, sem água, sem sorriso de comissário e quase sem assento? É um desabafo popular, e o Congresso adora transformar desabafos em lei.

Mas a política não é o campo da emoção, e o mercado, menos ainda. A intervenção parlamentar nesse tema é o retrato de um Estado ansioso por agradar o eleitor e alheio à lógica econômica mais elementar: a da oferta e da demanda.

Quando o Estado quer ser empresa

Há um equívoco grave e recorrente no Brasil: a ideia de que todo problema pode ser resolvido por decreto. Os senadores, ao aprovarem a gratuidade da bagagem de mão, tratam a aviação comercial como se fosse um serviço público essencial, como energia ou saneamento, quando na verdade ela é uma atividade privada, regulada, concorrencial e sujeita às dinâmicas do mercado.

A lógica é simples: a companhia aérea vende um serviço e o passageiro compra de acordo com suas necessidades. Se quer pagar menos, abre mão de benefícios. Se quer conforto, paga por ele. É o velho e saudável mecanismo da liberdade de escolha.

Mas o que faz o Congresso? Elimina a escolha e impõe uma regra única, uniforme, artificial.

É a fantasia de que o Estado pode criar vantagens sem custo, como se as empresas absorvessem magicamente o valor dessa “bagagem grátis”. Não há almoço grátis, muito menos mala grátis. Alguém paga, e, adivinhe quem:  sempre o consumidor.

O tempo legislativo é caro, e o país vive uma pilha de problemas urgentes: estagnação da produtividade, carga tributária sufocante, falta de competição em setores estratégicos, gargalos logísticos e uma infraestrutura que ainda vive de remendos.

Enquanto isso, nossos representantes discutem o peso e o tamanho das malas. É o teatro das obviedades, a política performática travestida de bondade social. Discute-se a casca para evitar encarar o núcleo duro da economia: a necessidade de melhorar o ambiente de negócios, de atrair concorrência real, de reduzir o custo Brasil.

O Senado perde tempo tentando resolver no plenário o que o mercado resolveria na prateleira, com o consumidor decidindo o que quer comprar. É como se o Congresso tentasse legislar sobre o tamanho da pizza que cada restaurante deve servir ou o número de botões em cada camisa vendida no comércio.

Há uma confusão perigosa entre regular e intervir. Regular é garantir que as regras do jogo sejam claras, que o consumidor não seja enganado e que as empresas concorram de forma leal. Intervir é forçar um resultado artificial, ditar preços e condições, substituir o mercado pela caneta. A regulação serve à transparência, a intervenção serve ao populismo. 

No caso da bagagem, o que o consumidor precisa é de clareza, precisa saber quanto está pagando e por quê. Se a companhia cobra pela mala, ótimo, desde que isso esteja evidente. Se oferece a bagagem incluída, ótimo também. O passageiro escolhe, o mercado responde.

Mas o Senado preferiu a trilha fácil, aplaudir a si mesmo por uma medida “em defesa do povo”. Na prática, o que veremos é o repasse do custo. Tarifas básicas mais caras, menos diferenciação entre companhias e uma falsa sensação de conquista. Um voo direto para o autoengano.

Toda vez que o Estado tenta corrigir o que considera “injustiça de mercado”, acaba criando distorções. Foi assim com os controles de preços nos anos 80, que geraram desabastecimento. Foi assim com a proibição de reajustes em setores privatizados, que afastou investidores. E será assim, inevitavelmente, com a “mala gratuita” imposta por lei.

A intenção pode ser nobre, proteger o consumidor. Mas o efeito é perverso, encarecer o serviço e desestimular a concorrência. No fim, pagaremos todos mais caro por uma gentileza que não pedimos.

Um país cresce quando o governo entende seu papel, o de ser árbitro, e não jogador. O Estado deve garantir segurança, transparência e concorrência, mas não pode decidir o modelo de negócio de cada empresa. O mercado precisa de regras, não de tutelas.

A liberdade de escolha é o que estimula a eficiência. Quando o consumidor pode comparar, pressionar e mudar de fornecedor, a qualidade sobe e o preço desce. Quando o Estado interfere para “proteger”, ele mata o dinamismo, e transforma o voo livre da economia em um sobrevoo pesado de burocracia.

A bagagem de mão, afinal, é um símbolo perfeito da nossa política: uma medida pequena, vendida como grande conquista, que cabe no compartimento superior da demagogia, mas pesa toneladas no custo do futuro.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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